No começo do século 17, os habitantes da região italiana da Toscana já estavam se acostumando com as esquisitices de um sujeito chamado Galileu Galilei. Ele era bamba em matemática e física e andava obcecado por entender os mistérios do Universo. Uma passagem curiosa a seu respeito é aquela em que ele subia a torre inclinada de sua cidade natal, Pisa, e ficava jogando coisas de tamanhos e formas diferentes, tentando entender por que e como caíam. Diz a lenda que, após uma dessas experiências, Galileu observava pensativo os restos de um ovo estatelado na calçada da praça dos Milagres quando foi interpelado por uma velhinha que lhe perguntou o que estava fazendo. “Estou tentando entender por que este ovo caiu da torre”, disse ele. “Eu sei por que ele caiu”, emendou a mulher. “Porque você o soltou.”
Essa história engraçada coloca juntas as duas causas que costumam desencadear os fatos da natureza e também da vida humana: a causa que determina e a causa que predispõe. O que determinou a queda do ovo foi a ação da gravidade; o que permitiu que isso acontecesse foi o fato de Galileu ter aberto a mão e soltado o ovo. Da mesma maneira, sempre há uma causa externa e uma causa interna para os fenômenos que acompanham a vida humana. O correto é dar crédito merecido a ambos os fatores, mas nós temos uma imensa tendência a valorizar um e minimizar o outro, de acordo com nossas conveniências. Nossas conquistas costumamos atribuir às nossas virtudes; já nossos fracassos não têm nada a ver com nossos defeitos, e sim com fatos alheios a nós, verdadeiras traições do destino.
Você é meu inferno
Cada pessoa tem seus próprios planos na vida. Para realizá-los, vai executando ações que modificam o mundo a seu favor. Até aí, tudo bem. O problema é que todos fazemos isso e, claro, sempre haverá a possibilidade de que aquilo que alguém faça para atingir seus objetivos entre em conflito com o projeto de outra pessoa. É por isso que o filósofo Sartre dizia que “o inferno são os outros”. Mesmo levando em consideração o mau humor do existencialista francês, temos que aceitar que ele tinha lá alguma razão, mas também não podemos deixar de atribuir a esse pensamento uma carga de transferência de responsabilidade. Às vezes as pessoas criam seus infernos particulares e atribuem a autoria a outrem.
Todos já vivemos situações em que foram as atitudes de alguém o namorado, o chefe ou o presidente da República que acenderam o fogo da panela de pressão de nossa paciência. Ok, concordo! Mas muitas vezes fomos nós mesmos que riscamos o fósforo, e os outros apenas entraram com a palha seca. Ou vice-versa.
Ninguém está livre de ter esse comportamento transferidor de responsabilidade. O problema é que ele pode se transformar em um padrão. Quem jamais, ou quase nunca, admite ter construído seus insucessos, carrega consigo os sentimentos de frustração, de impotência e de injustiça. Frustração porque vê seus planos falharem. Impotência porque, como não se atribui a culpa, sente-se incapaz de agir sobre seu próprio destino. Injustiça porque não se considera merecedor do infortúnio, uma vez que, em sua opinião, não é ele o autor do mesmo.
A psicologia, que está sempre buscando explicar o comportamento humano, cunhou a expressão “projeção” para explicar essa tendência de transferir responsabilidades que todos temos, em graus variados. E colocou a projeção em um grupo de comportamentos chamados “mecanismos de defesa”. A parte da estrutura psicológica chamada ego muitas vezes recusa-se a reconhecer impulsos de seu vizinho, o id. Essa é a parte da mente humana mais primitiva, regida pelo impulso do prazer, e que busca a satisfação imediata das necessidades e o apaziguamento das tensões. Obedecendo a esses impulsos primitivos, muitas vezes fazemos coisas, ou deixamos de fazer, que nossa própria moral reprovaria. É quando entra o ego, que é regido pelo princípio da realidade.
Quando adultos, não podemos mais simplesmente cair no choro e sapatear quando somos contrariados ou repreendidos. As crianças fazem isso porque são comandadas pelo id. Nos adultos, o ego assume o comando e a responsabilidade. Entretanto, às vezes o golpe é muito forte para um ego ainda não totalmente estruturado. Nesse caso, ele projeta a culpa para fora de si, isentando-se e, claro, incriminando alguém. Freud explicou!
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