As angústias da (des) esperança
'Eu sou o limite de minhas ilusões perdidas", escreveu o filósofo francês Gaston Bachelard. E é nessa tensa relação entre angústia, desespero e esperança que transcorre a nossa existência
Por Josè Fernandes Pires Júnior*
“Deserto e vazio. Deserto e vazio. E as trevas à beira do abismo.” Eis a voz do poeta a T. S. Eliot
. Há neste verso solene a sombra de um desespero presente – este que ataca não como um estresse quotidiano, mas que encurrala o homem como um animal indefeso frente ao seu poder avassalador. Não será preciso perceber isso nas doutrinas ou nos apontamentos da Filosofia e Psicologia. Basta-nos folhear as páginas do jornal diário, das revistas semanais e assistir aos programas televisivos com suas fórmulas mágicas para aplacar as angústias do ser humano.
O homem não quer mais aceitar sua condição existencial, por isso busca todos os tipos de terapia que ofereça a negação de sua condição temporal. Os métodos mais diversificados estão sendo empreendidos para retardar o envelhecimento, as academias estão lotadas, o consumo desenfreado cresce tresloucadamente, pois a ditadura do “vestir- se bem” determina que as pessoas se rendam à nova coleção do momento. Ser celebridade, seja em que patamar, e ter fama são outros dois vilões que encantam o homem moderno. Isso é apenas um quadro simplório do que vem acontecendo nesses a tempos de liquidez
, bem definidos por Zygmunt Bauman.
T. S. Eliot o poeta e dramaturgo thomas stearns eliot, o t.s. eliot (1888-1965), embora nascido nos eua, sentia-se pertencente a uma tradição cultural europeia. vencedor do Prêmio nobel de literatura em 1948, t.s. eliot escreveu livros como Poemas e A terra devastada. |
JOHN MILTON: ESPERANÇA NA ESCURIDÃO
Sem dúvida, esses encantos conseguem seduzir até mesmo os grandes homens. O poeta John Milton contava com 23 anos de idade quando, tomado de indignação, lamenta-se e angustia-se por não ter alcançado o seu ideal de grandeza e notoriedade, veja isso nestes versos que escreveu quando tinha essa idade:
“O tempo, que é ladrão defraudador, Levou voando meus vinte e três anos. Vão-se meus dias em ritmos insanos, E a primavera acaba e não há flor”
Devo acrescentar – para que o amigo leitor não pense que o poeta inglês foi durante todo o curso de sua existência um presunçoso arrogante – um detalhe digno de nota: Milton sagrou-se, pari passu com a John Donne
, o maior poeta que a Inglaterra já viu. Seu poema Paraíso Perdido foi ditado, quando já estava totalmente cego. Sobre seu estado, escreveu certa vez:
Quando penso que a luz está apagada Neste meu mundo vasto e tenebroso, E meu talento, único e precioso, Jaz inútil, mas a alma está inclinada A servir seu Criador sem deixar nada (...)
No meio dos anseios e da vontade do querer- -ser, há as angústias da não realização de nossos projetos. E quando eles falham nasce o desespero. A falta de esperança. Quando percebemos que não há como evitar o envelhecimento, que o consumo não pode efetivamente nos trazer a satisfação essencial de que necessitamos, que a fama pode ser provisória... o homem contempla as trevas à beira do abismo. A angústia toma conta de seu ser frágil e o remete ao desespero. Desespera-se o homem moderno quando percebe que é um nada e, por isso, não pode ser imortal.
Tempos de liquidez o termo “tempos de liquidez” refere-se à noção de “modernidade líquida” ou “tempos líquidos”, metáfora utilizada pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt bauman nos livros Modernidade líquida, Amor Líquido, Vida Líquida, Medo Líquido etc. |
KIERKEGAARD: O SALTO DE FÉ
É a Sören Kierkegaard
Tempos de liquidez o termo “tempos de liquidez” refere-se à noção de “modernidade líquida” ou “tempos líquidos”, metáfora utilizada pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt bauman nos livros Modernidade líquida, Amor Líquido, Vida Líquida, Medo Líquido etc. |
JOHN DONNE: POR QUEM OS SINOS DOBRAM?As grandes preocupações do ser humano nos dias de hoje são o desejo e a vontade de querer ter. Aliás, é Gabriel Marcel que fala sobre a vontade do ter em detrimento da do ser. Em tempos de modernidade líquida – para usar uma expressão baumaniana – o ter predomina sobre o ser. O imediatismo, o desejo de estar em evidência angustiam o ser humano, uma vez que vive na esperança de que a sorte mude seu destino e de que a fortuna bata à sua porta. Viver assim não é uma escravidão? Contrário a toda essa via negativa de aceitação da finitude, coloco como paradigma o nome do poeta John Donne. Paradigma não é uma palavra que se apresenta aqui por acaso, ela tem toda uma razão de aqui estar, pois J. Donne, ou seja, sua vida encarna toda a via positiva da aceitação de forma cabal. Esperança é uma palavra mística, que calha bem quando aplicada a J. Donne. Mas antes de falar sobre o poeta inglês, faço uma pequena digressão para contextualizar melhor: quando disseram a Mark Twain que o mundo estava chegando ao fim, ele teria respondido: – “Ótimo! Podemos viver sem ele”. John Donne poderia ter dito como Twain sobre esse mundo; no entanto, o poeta inglês conviveu com suas desgraças triunfantemente.
John Donne John donne (1572-1631) foi um poeta e pastor anglicano nascido em londres. além da densa obra poética, produziu ensaios críticos. a poesia de donne influenciou alguns autores do romantismo. |
Sob os ares da Londres elisabetana, viveu J. Donne. W. Shakespeare, seu contemporâneo, já havia alcançado notoriedade invejável. A peste negra assolava e vitimava os londrinos, desafiando a medicina da época. Seu rastro epidêmico de morte vitimou 40 mil pessoas. Nas ruas de Londres, a peste bubônica foi pretexto para profetas desatinados anunciarem o apocalipse. Donne não escapou. Também adoecera. Os médicos diagnosticaram sua enfermidade, erradamente, como peste; no entanto, sua doença foi uma febre com erupções cutâneas similares ao tifo. Fora posto em quarentena por causa disso. Por seis semanas esteve no limiar da morte. É aí, por meio de seu suplício, que nasce Devoções (Devotions), obra que o coloca, como já dissemos, ao lado de John Milton, como o maior poeta da Inglaterra.
A Meditação 17, sobre o significado dos sinos da igreja, é passagem mais famosa de Devoções e, também, uma das mais cultuadas da literatura inglesa. A inspiração dos versos desta Meditação veio quando Donne ouvia da janela de seu quarto o toque dos sinos. Era o anúncio de que um vizinho seu havia morrido de peste bubônica. Essa percepção o levou a compreender que aquilo era um duro lembrete da finitude humana. Eis um trecho da celebrada passagem:
“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. (...)
A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
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