O Nascimento do Prazer (trecho)
O prazer nascendo dói tanto no peito
que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria
verdadeira não tem explicação possível,
não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início
de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente
bom – como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a
morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da
morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos – pois é a vida
nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma
película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida.
Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em
qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é
de se brincar com ele. Ele é nós.
( Clarice Lispector ) - (A descoberta do mundo: crónicas – Página 159).
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