Frederico Fellini sobre Borges
Borges me comunica sempre uma singular exaltação pacificadora por causa da sua vocação prodigiosa de aprisionar, mesmo que seja por um instante, entidades tão ambíguas e enrarecidas quanto o tempo, o destino, a morte, os sonhos, em operações mentais portentosas e refinadas, em mecanismos conceituais poderosamente simplificados, livres dos oropéis da lógica, dos jogos de equilíbrio da dialética. Principalmente para um homem de cinema, Borges é um autor particularmente estimulante quanto a que o excepcional da sua literatura consiste em ser muito parecida com o sono, como uma extraordinária visão onírica ao evocar do subconsciente imagens inatas onde a coisa e o seu significado coexistem simultaneamente exatamente como em um filme. E justamente como nos sonhos, também o inconsistente de Borges, o absurdo, o contraditório, o arcaico, o repetitivo, ainda conservando toda a sua virulenta carga fantástica, são igualmente iluminados como os rigorosos detalhes de um desenho mais amplo e negligenciado, são os elementos impecáveis de um mosaico atrozmente perfeito e indiferente. Também Borges, me faz pensar em um fluxo onírico descontínuo, e a heterogeneidade desta mesma produção - relatos, ensaios, poesias - prefiro imaginá-las, não como o fruto das múltiplas molas de um talento impaciente, mas sim como o sinal sem decifrar de uma metamorfose infatigável.
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