"Não
é apenas a preguiça que faz as relações humanas se repetirem numa tão
indizível monotonia em cada caso; é também o medo de algum acontecimento
novo, incalculável, diante do qual não nos sentimos bastante fortes.
Somente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o
mais enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e
ir até o fundo de sua própria existência. Se imaginarmos a existência
do indivíduo como um quarto mais ou menos amplo, veremos que a maioria
não conhece senão um canto do seu quarto, um vão de janela, uma lista
por onde passeiam o tempo todo, para assim possuir certa segurança.
Entretanto, quão mais humana aquela perigosa incerteza que faz os
prisioneiros dos contos de Poe apalparem as formas de suas terríveis
prisões e não desconhecerem os indizíveis horrores de sua moradia. Nós
outros, aliás, não somos prisioneiros. Em redor de nós não há armadilhas
e laços, nada que nos deva angustiar ou atormentar. Estamos colocados
no meio da vida como no elemento que mais nos convém. Também, em
conseqüência de uma adaptação milenar, tornamo-nos tão parecidos com ela
que, graças a um feliz mimetismo, se permanecermos calados, quase não
poderemos ser distinguidos de tudo que nos rodeia. Não temos motivos de
desconfiar de nosso mundo, pois ele não nos é hostil. Havendo nele
espantos, são os nossos; abismos, eles nos pertencem; perigos, devemos
procurar amá-los. Se conseguirmos organizar a nossa vida segundo o
princípio que aconselha agarrarmo-nos sempre ao difícil, o que nos
parece muito estranho agora há de tornar-se o nosso bem mais familiar,
mais fiel. Como esquecer os mitos antigos que se encontram no começo de
cada povo: os dos dragões que num momento supremo se transformam em
princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que
aguardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez
todo horror, em última análise, não passe de um desamparo que implora o
nosso auxílio."
Rainer Maria Rilke - Cartas a um jovem poeta. Compartilhado do FB, pg. Marcel Oliveira.
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