A vida é um campo abstrato de forças vivas… a consciência nunca poderá dar conta disso porque a consciência vive da significação… A consciência é vítima das marcas… Há um perigo imenso da gente ser governador pela consciência porque nós temos uma pedagogia que nos constitui como consciência… É a questão do nosso campo social: produzir consciências… Não se preocupe se a consciência é boa ou má, ela tem que ser desqualificada, porque questão de bom e mal é ela que inventa, é mais uma vez o fanatismo dela…
Escutei essas poéticas cheias de vitalidade de uma palestra do encantador Cláudio Ulpiano sobre Spinoza. A vida nunca mais é a mesma depois de Spinoza.
Dentro da psicologia, Spinoza e Nietzsche me fizeram perceber Freud como um pensador da dureza. Quando comecei ler as primeiras obras de Freud, apesar de ainda estar começando nas bases psicanalíticas, algo me estranhava: um mal estar emanava na medida em que ia lendo e percebendo como ele escrevia e apresentava seus conceitos, o próprio movimento do pensamento freudiano é rígido e castrador.
Com ele o inconsciente é preenchido em termos de castração, falta, família, fantasmas, lei, representação – significação por todo lado! Com Spinoza o inconsciente se liberta, através de Nietzsche, Deleuze e Guattari, e outros tantos que buscaram linhas de pensamento em Spinoza. Não mais se deixar ser capturado pelos fantasmas, mas estar em relação com as forças, saber ser ativo junto com os encontros com o mundo.
Liberta-se para um campo de forças de infinitas possibilidades, não se trata mais de exigir da natureza uma significação, mas de compor, criar, associar, experimentar… produzir a partir dos encontros pois a natureza não pode ser significada. Em outras palavras, a natureza nada tem de significado senão aquilo que a própria consciência cria para capturá-la.
Estranhamente, apesar de ser tão antigo, é com Spinoza – penso – que podemos encontrar modos muito eficazes para percorrer diversos campos atuais do pensamento moderno e contemporâneo. Da microbiologia à física quântica, pensamento complexo e ciência do acaso… é possível percorrer esses espaços com Spinoza de uma maneira ainda mais produtiva: sem correr o perigo de atolar em uma nova categoria do pensamento e a partir daí sair esquadrinhando a vida em linhas duras – a consciência adora criar padrões!
Com Spinoza o passeio pelos diversos campos busca retirar de tais encontros aquilo que possibilita expandir ainda mais a nossa vida.

de: O Eterno Retorno