sábado, 22 de outubro de 2022

Embriague-me, por favor !!!

 

"O significado da náusea, mais transtornante do que a angústia, não é, porém, a simples descoberta da existência, como fato irredutível, absoluto. É, ao mesmo tempo, a descoberta de que esse fato é contingente, totalmente gratuito, reduzindo-se ao Absurdo que nenhuma razão, nenhum fundamento podem eliminar. Embebida no Absurdo, a consciência descobre-se supérflua, irrelevante e, sua liberdade, paralisada, apenas esboça uma recusa, uma reação de fuga, como nas emoções violentas, que se manifesta então pelo desejo de vomitar: náusea.

Esse aspecto físico de náusea existencial deriva de duas circunstâncias. Primeiro, a existência revelada apresenta-se "in-concreto". É algo latejante e animado na matéria física e nos organismos vegetais ou animais: suas qualidades não são apenas atributos da matérias, mas verdadeiras qualificações ontológicas (as raízes são massas monstruosas e moles etc). Segundo, essa presença sensível, excessiva, saturante, do ser em-si (en-soi), associada à capacidade de proliferação indefinida do orgânico, engurgita a consciência, forçada a experimentar-se não como consciência situada no corpo, mas como floração carnal, tão existente como a carne áspera da raiz penetrando a terra ou a carne mole da cobra que dorme ao sol.
 
A raíz da árvore, a cobra, o homem, participam da mesma contingência absurda e inumana, do mesmo crepitar da existência indefinida que se propaga de ser a ser, numa vitalidade indiferente aos nossos projetos. Violentada por aquilo que não pode compreender, paralisada em sua liberdade, não podendo negar ou transcender essa revelação do Absurdo, a consciência decai. Enquanto dura a náusea, faz-se carne e organismo, e acumpliciando-se com a existência anônima, experimenta a suprema repugnância pelo mundo. A náusea é o seu modo absurdo de repelir a fascinação do Absurdo que forma o mundo insuportável e repelente ("avenglante indecence").
 
A náusea, assim descrita, é o momento excepcional, privilegiado, por que passam os personagens de Clarice Lispector nas crises decisivas."
 
De: Benedito Nunes sobre Sartre, Heidegger e Lispector em Náusea e Angústia.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

"Não basta morrer para conhecer o sorriso de Deus – mesmo que, como foi o meu caso, se tenha vivido abismada nele uma vida inteira. Quando o pior acontecia, aquele sorriso descia às minhas trevas com um soluço de baloiço, um gingar de gonzos arrancado às cordas da infância. Eu sentava-me nele e subia, balouçando, até à luz."
 
Fragmento de Inês Pedrosa em "Fazes-Me Falta".

 

"Em algum canto do universo que se expande no brilho de incontáveis sistemas solares surgiu, certa vez, um astro em que animais espertos inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais arrogante e mais mentiroso da história do mundo, mas não passou de um minuto, após uns poucos suspiros da natureza, o astro congelou e os animais espertos tiveram que morrer. Foi bem a tempo: pois, se eles vangloriavam-se por terem conhecido muito, concluíram por fim, para sua grande decepção, que todos os seus conhecimentos eram falsos, morreram e renegaram, ao morrer, a verdade. Esse foi o modo de ser de tais animais desesperados que tinham inventado o conhecimento".
"Seria esse o destino do homem, se ele fosse um animal que busca conhecer; a verdade o levaria ao desespero e ao aniquilamento, a verdade de estar eternamente condenado a inverdade. Ao homem, entretanto, convém a crença na verdade alcançável. Será que ele não vive propriamente por meio de um engano constante? Será que a natureza não lhe faz segredo de quase tudo, mesmo do que está mais próximo, por exemplo, de seu próprio corpo, do qual só possui uma "consciência" fantasmagórica? Ele está aprisionado nessa consciência e a natureza jogou fora a chave. Curiosidade fatídica dos filósofos, que possibilitou olhar para fora e para baixo, por uma fresta na cela da consciência: talvez o homem pressinta, então, que se apóia no ínfimo, no insaciável, no repugnante, no cruel, no mórbido, na indiferença de sua ignorância, agarrado a sonhos, como sobre o dorso de um tigre".
 
De: "Cinco prefácios para cinco livros não escritos" de Friedrich Wilhelm Nietzsche

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Amada Lispector, existencialismo pulsante, direto na jugular da alma...

"Isto não é um lamento, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranqüila. O beijo no rosto morto.
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz. Vivam os mortos porque neles vivemos.
De repente as coisas não precisam mais fazer sen­tido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim. O não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. De certo tudo deve estar sendo o que é."

A convulsão inebriante dos cantos de sereia (paixões) que se sucedem e sustentam o cambalear da percepção

Um turbilhão de paixões da alma acontece quando ela passa por eventos. O coração bate mais forte quando ela pensa, pretensamente, que pode ancorar-se em singulares passagens, paisagens e momentos. Acreditamos que essa embriaguez alucinante possa, paradoxalmente, dar consistência a voláteis certezas que fluem em fugidias impermanências. A tábula rasa da consciência é reescrita ao suceder perpétuo de tantas paixões. Brindemos ao sagrado hospício da vida, onde cada um pode exercitar seu papel de procusto social com os serrotes de suas próprias loucuras. Brindemos a Luz dos contrastes que refletindo-se, doce e coloridamente, inebriam nossa passagem, nossa paisagem, nossas paragens através do Existir. Tim Tim. Gildo Fonseca.

De hoje 05/10 até 07/10, acontece o período em que se invoca a forma de Saraswati (em sânscrito: सरस्वती, sarasvatī) é a deusa hindu da sabedoria, das artes e da música.

É a protetora dos artesãos, pintores, músicos, atores, escritores e artistas em geral. Ela também protege aqueles que buscam conhecimento, os estudantes, os professores, e tudo relacionado à eloquência, sendo representada como uma mulher muito bela, de pele branca como o leite, e tocando sitar (um instrumento musical).