sábado, 31 de março de 2012

Fernando Bandeira

"E a vida vai tecendo laços quase impossíveis de romper: tudo o que amamos são pedaços vivos do nosso próprio Ser."


Aldous Huxley

"A CONSTÂNCIA É CONTRÁRIA À NATUREZA, CONTRARIA À VIDA. AS ÚNICAS PESSOAS COMPLETAMENTE CONSTANTES SÃO OS MORTOS".

Novas pérolas de Rita de Cassia



eu lembrei do Capítulo XVII e XVIII do Purgatório da Divina Comédia. Lá, como Dante tem muitas dúvidas, Virgílio (autor da poesia épica latina, "Eneida"), que é o guia de Dante durante o Inferno e Purgatório, faz uma descrição maravilhosa do amor e suas nuances... essa talvez, seja uma das melhores definições que já vi:
Canto XVII-XVIII
- Jamais existiram criador nem criaturas sem amor natural ou sem o amor racional que o ânimo busca. O natural nunca erra. O outro poderá errar, ao escolher mal o objeto de seu amor, por excesso, ou por falta de vigor. O amor que se fixa no bem supremo, ou nos bens secundários com moderação, não pode ser causa de mal. Mas quando pende ao mal ou busca o amor com mais ou menos força do que se deve, emprega a sua criação contra o criador. E assim, poderás entender como o amor é ao mesmo tempo a semente de toda virtude e de todo ato que merece punição. Como o amor nunca pode querer mal a si próprio, nem pode querer mal àquele que o criou, o mal que se ama é o mal a seu próximo, e este se divide em três modos:
Os primeiros só admitem a própria glória, mesmo que isto signifique a ruína do próximo (orgulhosos, soberbos);
Depois há os que preocupam-se com a possibilidade do outro crescer e acumular mais fama e poder que eles (invejosos);
Finalmente, existem aqueles que, por injúria sofrida, explodem em ira, e só pensam em revidar o mal causado (iracundos).
Esses três tipos de amor pervertido vistes sendo purgados lá embaixo. Agora, veremos os que buscam o bem, mas de modo faltoso. Cada um imagina vagamente, algum bem que deseja, e se deixa levar pelo desejo de encontrá-lo. Se o amor que vos impele a essa meta é lento e preguiçoso, é nesta cornija que vós o expiarás. Há outro bem que não traz felicidade, pois não vem da boa essência que é fruto e raiz de todo o bem verdadeiro. O amor que perde ao tender a esse bem em excesso é purgado acima, nos próximos três terraços (melhor dizendo, são três círculos, a saber: avareza, gula e luxúria). Não falarei deles agora. Tu os descobrirás quando lá cheg armos.
- Então presta atenção - respondeu-me - e terás esclarecido o erro dos cegos que decidem ser guias. A alma, que é criada com capacidade de amar, move-se para o que lhe dá prazer. Vossos sentidos extraem do mundo real uma imagem que é exibida internamente. É esta imagem que atrai a alma. E se ela é atraída, à imagem então se inclina, e esta inclinação é o amor, que faz parte de vossa natureza. E assim como o fogo se move para as alturas, buscando a sua própria natureza, da mesma forma vossa alma busca a coisa amada e não descansa até encontrá-la e dela usufruir. Podes agora entender como estão enganados aqueles que acham que qualquer amor é, em si, coisa louvável. Talvez assim pensem por acharem que sua essência é sempre boa, mas nem todo selo é bom, ainda que boa seja a sua cera.
- Teu discurso me esclareceu muitas dúvidas - respondi-lhe - mas ao mesmo tempo acrescentou outras. Se o amor vem de uma fonte externa, a alma não pode ter culpa em aceitá-lo e não pode ser, por essa razão, julgada culpada em segui-lo.
- Eu só posso te explicar aquilo que minha razão puder compreender - respondeu Virgílio. Além da razão, terás que buscar o auxílio de Beatriz, pois se trata de obra da fé. Toda essência, esteja ela ligada ou não à matéria, tem a sua própria virtude, que não é percebida a não ser por seus efeitos, como o verde de uma planta revela-nos a sua essência viva. Não é, portanto, possível saber a origem das vossas inclinações ou do vosso instinto. Esses desejos inatos não são, portanto, nem condenáveis nem louváveis. Mas, para manter vossos instintos sob controle, tens uma virtude inata que, munida da razão, vos aconselha. É neste princípio que repousa o vosso poder de julgamento, que é capaz de rejeitar o mau amor e acolher o bom. Aqueles que, através do raciocínio, investigaram este assunto profundamente, perceberam essa liberdade inata e a partir dela, deixaram suas doutrinas morais e éticas no mundo. Então, posto que por necessidade surja em vós qualquer amor, em vós também está o poder de dominá-lo. Essa é a nobre virtude que Beatriz entende por livre arbítrio. Lembra-te disto quando tu a encontrares.
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Entra em cena a Tiza:
Impressiona-me que, nesses dias de tantas facilidades e descompromisso, surjam questionamento em jovens sobre o amor verdadeiro. Este assunto nos remete às dúvidas de alguns quanto ao amor de Jesus e Madalena. Poderia ter pregado o verdadeiro amor, Aquele que por ninguém houvera se apaixonado? Caberia particularidades no amor Divino à ponto de personifica-lo em uma, entre tantas as mulheres? Seria deste amor que Ele veio falar? Seria, por acaso, do amor à família?
Existe uma palavrinha milagrosa que se chama Misericórdia, e esta é a chave do Amor. "Ide e entendei, eu quero a misericórdia, e não o sacrifício". Os pares humanos ainda se formam sob carências, sob necessidades materiais, sob afinidades, sob diferenças, sob aparências, sob tantas quantas são nossas fraquezas e forças; e ainda e sobretudo sob o que fazemos diante das fraquezas e forças de nossos companheiros de jornada; Pisoteamos? Invejamos?, Adulamos? Distinguimos? Privilegiamos? Abusamos? Exploramos? Cuidamos? Curamos? Sacaneamos... Como encaramos nossas diferenças? Como elos ou como armas?
Nossas escolhas amorosas são feitas muito antes que a puberdade se manifeste, que o corpo anseie, que o desejo nos traia. Elas são feitas desde a mais tenra idade, numa crescente compilação de dados, de impressões, experiências, sonhos, desejos, necessidades que, combinados, fazem o coração saltar em êxtase quando nos deparamos com o grande amor de nossas vidas. O que vai definir a escolha boa ou ruim vai depender de como você catalogou seus dados, trabalhou seu ser, de que espírito estava imbuído ao construir seu perfil, com que inspiração pode contar, contar e nutrir-se. Tornou-se revoltado? Tímido? Galante? Arrogante? Exibido? Tarado? Complexado? Carente? Ermitão? Somando genética e educação, poderemos desviar mais ou nossos olhos das imposições sociais a que todos estamos sujeitos, poderemos nos armar contra ou a favor do que a massificação exige, poderemos amar o que convém e reconhecer o que não convêm; porque a confusão existe neste estágio de nossas vidas, nossa luta maior é contra o engano, contra valores vãos... Mas é difícil e laboriosa nossa ascensão aos céus do amor perfeito. Falta-nos coragem, falta-nos discernimento, falta-nos paciência, falta-nos principalmente guias exemplares, e ainda que existam, existe toda uma estrutura a ser derrubada para que os possamos ver sem as ilusões e rótulos que nos norteiam; afinal, este mundo não dá trégua a quem procura vencê-lo, e tem suas armas para fazer desacreditar-se da verdade.
Existe um amor primeiro que nos concede auto-estima, pouca ou muita, ou exemplarmente equilibrada. Ela começa no berço, na perfeita condução de nossa educação e crescimento. Numa mesma família, marcas diferenciadas são deixadas em cada membro da mesma, porque existe algo de único em cada um, de bom e de ruim, que é meta individual vencer, mas que um bom orientador espiritual muito ajudaria. O exercício da misericórdia começa no lar, no questionamento sincero de todos para com todos no que há de bom e no que há de erro: "O que você quer?". Os olhos mais profundos sabem a resposta, sem nem mesmo questionar, e amam, porque está a seu alcance a percepção da alma sem máscaras, e pode mesmo ensinar a querer o que deve ser querido: isto é Misericórdia.
Rita de Cássia Antunes de Oliveira
Psicoterapia Existencial


(011) 91763293
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Ensinamentos de Rita de Cassia

O instinto de Eros nos diz que buscamos sempre esta tal de transcendência com o Outro. Procuramos nos ligar ao outro, às pessoas. São os chamados instintos de vida em contrapartida aos instintos de morte ou pulsão de morte. Eis que surge o amor no meio disso tudo , que é o que nos gera e que dá vazão aos nossos sentimentos. O amor respira a vida. Muitos dizem, em relação ao desejo, que a nossa "carne é fraca", mas se vermos a realidade profunda do amor e do desejo, podemos dizer que a inscrição do desejo se encontra na alma, e não na carne. O amor é a forma de encontramos uma certa fusionalidade com o outro, uma volta à sensibilidade infantil do amor glorioso e oceânico, que um dia pairou por nós como completude. O amor é a via justamente também da saída da repetição de comportamentos e de certas identidades ao que costumamos chamar de "Eu". Através do ampar o e desamparo encontrados na relação amorosa se articula uma série de encontros e desencontros com o outro e consigo mesmo. 

Como articular uma nova forma de desamparo? Pode haver um descompasso que se trava entre o sujeito e a sua procura de amparo no amor. A criança, no seu amparo materno, seja no campo intra-uterino ou na relação com a mãe não tem absoluta co nsciência disso, mas essa relação - e respectivas conseqüências psíquicas advindas dela - comandam e dão princípio a todo o "vir a ser" da pessoa. No amor, há uma procura de fechar esse buraco do desamparo, um chamado "prazer negativo". Negativo, pois procura reparar uma perda. Isso já é um aspecto muito clássico do ponto de vista psicanalítico, mas a questão fundamental em que devemos nos remeter é: Será que existe um ponto onde pode haver uma passagem? Uma espécie de transcendência disso tudo no próprio amor? Existe um mais além no amor? A consciência da experiência no mundo "adulto" é mais absoluta em relação à da criança. Consciência, que se diga aqui, é a plena consciência racional e emocional desse chamado "amor". Bion diz no seu livro "Transformações" que, por definição, o termo "consciente" relaciona-se a estados dentro da personalidade: consciência de uma realidade externa é secundária à consciência de uma realidade psíquica interna. Ele ainda diz: "Realmente, consciência de uma realidade externa depende da capacidade da pessoa tolerar ser lembrada de uma realidade interna". 

Consciência do afeto, do sentimento, das sensações vividas no próprio corpo, e do corpo em contato com o outro. Isso, absolutamente, está longe da expectativa de fusionalidade. Mas o que de bom pode despertar disso, o que de fato não está ligado nem envolvido com a "agressividade" humana, pode-se dizer que pode haver até uma "agregação" de valor interno e até espiritual muito maior do que pode ter acontecido durante o período da relação mãe-bebê.
Achamos que realmente fomos expulsos do paraíso sem ao menos nunca "realmente" termos estado lá?

Enquanto o amor nos chama, o que também clama por nós é a Compaixão. Aliás, o que é compaixão? É entender no outro essa grande falta que nos corrói e constrói. Es sa falta que nos move, mas que pode ser compreendida no outro, também. O Outro não é algo que corrupta sua mente. O outro deve ser visto como alguém tão "castrado" quanto você mesmo. No Budismo há a clara intenção de, na busca pela transcendência, mostrar que ela pode ser realizada via solidão meditativa. A meditação como investigação e redenção de si mesmo é positiva. Mas isso não tira a necessidade de se estar com o outro, aprender com o outro.
E é característica e tarefa de nossa instância psíquica, nosso "Eu", nunca se satisfazer, justamente para dar conta desta "energia". Isso o Budismo fala claramente, de que não há satisfação mundana. O homem procura a todo o momento a realização, a satisfação, mas logo que há uma certa satisfação, já é necessário outro desejo para cumprir com a tarefa de ser feliz. Ser feliz parece ser sempre uma tarefa a ser cumprida, e nunca apenas "Ser" é o bastante, nunca apenas estar "aqui e agora", com a mente clara e vívida, sem desejos, podendo permanecer "aqui" em um estado de pleno contentamento.
Rita de Cássia Antunes de Oliveira
Psicoterapia Existencial


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quinta-feira, 29 de março de 2012

de Millôr Fernandes

"A vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito".
"Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida".
Pablo Neruda

Obrigado



"Amo ou venero poucas pessoas. Por todo o resto, tenho vergonha de minha indiferença. Mas aqueles que amo, nada jamais conseguirá fazer com que eu deixe de amá-los, nem eu próprio e principalmente nem eles mesmos."  Albert Camus

terça-feira, 27 de março de 2012

Lucrécio: "o homem, uma abstração...."

Entrevista com Lucrécio

Enviado por Altair Massaro, ter, 29/03/2011 - 16:39
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 Manhã chuvosa de uma segunda feira de fevereiro. A redação estava muito abafada, não só pelo efeito do tempo como também pela expectativa da chegada do nosso entrevistado; tanto pela curiosidade como pela apreensão, já que sabíamos da sua aversão à entrevistas – dizia, como um filósofo francês, que dar entrevistas era nada mais que responder aos problemas dos outros. Todos estávamos ansiosos pela presença de Titus Lucretius Carus, conhecido entre nós simplesmente como Lucrécio. A entrevista fazia parte de uma agenda do filósofo e poeta Italiano – pelo menos todos acreditam que tenha nascido em Roma, coisa que jamais desmentiu – por conta do lançamento de seu livro no Brasil De Rerum Natura, traduzido para nossa língua pelo também poeta, filósofo e ensaísta português Agostinho da Silva com o titulo Sobre a Natureza das Coisas e publicado no volume V da coleção Os Pensadores da editora Abril. O trabalho é composto por seis livros e é considerado por muitos como a mais completa exposição do pensamento de Epicuro.
Lucrécio chegou aparentando muita tranquilidade, vestindo uma túnica bastante puída e amarelada, sugerindo que já fora branca um dia. Homem em torno dos 44 anos, possuindo uma barba e cabelos ondulados e bastante descuidados, próprio daqueles que pouco se fixam em ambientes domésticos e que tornam sua aparência mais envelhecida. Ao entrar foi logo cumprimentando todos muito cordialmente e pedindo algo para acalmar sua cede – água, para ser mais preciso; o que me fez expressar um leve sorriso entre os lábios, prontamente percebido pelo nosso entrevistado, afinal não pude evitar a imagem de Lucrécio pedindo uma bela taça de vinho, ou, o que me divertiu ainda mais, uma generosa dose da famosa poção do amor – invenção do religioso Jerônimo com intuito de difamar Lucrécio, dizendo, sobretudo, que enlouquecera depois da bebida e toda sua obra havia sido resultado dos períodos de lucidez entre as crises – pobre padre! Deve ter entendido muito pouco da obra; como pode tal beleza ter sido produzida em “períodos de lucidez”?
Redação: O senhor produziu uma obra que resgata a filosofia de Epicuro e que é propriamente uma concepção física da natureza. Entretanto, fica claro que a sua constituição não é epistemológica, mas altamente prática. O senhor poderia nos falar sobre o problema central da sua obra?
Lucrécio: De fato, você tem razão. Esta obra que escrevi – De Rerum Natura – tem um objetivo ético, prático. Não tem um objetivo físico. O meu problema é demonstrar que o homem vive com a alma perturbada e que esta perturbação da alma tem como causa os fantasmas de terceira espécie. Se não afastarmos estes fantasmas de terceira espécie, estes simulacros de terceira espécie nossa alma estará sempre perturbada. Ainda mais, estes fantasmas geram os criminosos religiosos, porque estes religiosos vivem sua vida em torno destes fantasmas e só se sustentam produzindo tristezas, ou, como diria um bom amigo, paixões tristes. Essas paixões tristes são produzidas por estes fantasmas. Tudo que eu quero neste livro é demonstrar que depois de mortos estaremos mortos.
R: O senhor afirma que a perturbação da alma dos homens se deve ao medo da morte. Como isso se daria?
LVeja, o homem, sob o domínio dos fantasmas de terceira espécie, criam dois falsos infinitos: a ilusão da capacidade infinita dos prazeres do corpo e a ilusão da duração infinita da alma. Ora, se a há prazeres infinitos, também há dores infinitas e se a alma dura eternamente então nós podemos ter dores eternas. Essa é toda condição do medo da morte. Essa é a ilusão gerada pelos fantasmas de terceira espécie.
R: O senhor fala de falsos infinitos e de verdadeiros infinitos. O que isso significa na sua filosofia e quais as implicações disso?
LBem, aqui entra a questão da física, de como funciona a natureza. Na minha obra vou afirmar que existe, e isso é decisivo, três infinitos verdadeiros: os átomos, o vazio e o conjunto de átomos e vazio. A soma dos átomos é infinita, justamente porque eles são elementos que não se totalizam. Mas essa soma não seria infinita se o vazio também não o fosse. O vazio e o cheio se entrelaçam e se distribuem de tal forma que a soma do vazio e dos átomos, por sua vez, é ela mesma infinita. O que eu estou dizendo aqui é muito grave, muda toda a concepção de verdade em relação à tradição. O que eu estou dizendo é que o verdadeiro e o falso são reais, são ontológicos. Veja por exemplo Aristóteles. Ele examina o real para buscar a verdade. É como funciona o pensamento em Aristóteles. Mas o real é penetrado pela falsidade e, às vezes, o pensamento se equivoca e toma o falso como verdadeiro. Ora Aristóteles então cria um método baseado numa lógica atributiva. Ele, então, atribui predicados aos sujeitos. Isso pode ser feito de duas maneiras: atribuir predicados essenciais e predicados acidentais. Ao dizer “Sócrates é animal racional, alto, magro e está sentado”, por exemplo, se diz que “animal racional” é a essência de Sócrates, mas “alto, magro e está sentado” são acidentes. Os acidentes são apreendidos pela experiência, mas a essência é produzida pela razão. Veja, eu insisto, é produzida pela razão. Então, a essência, na verdade, é a projeção do sujeito sobre o mundo. E observe que a ciência está interessada exatamente nestes atributos essenciais. O que eu estou dizendo é que o pensamento não projeta nada, ele entra no mundo; e diz o mundo exatamente como ele é. A lógica que proponho é conjugativa e não atributiva. Esta posição de atribuição leva Aristóteles a fundar a Doutrina das Categorias e é exatamente isso que aquele filósofo francês, Deluze, vai dizer que é fixo e sedentário. Olha que coisa interessante ele disse: a distribuição fixa e sedentária é a atribuição e a distribuição nômade é exatamente a conjugação, e essa distribuição atributiva é o que esse filósofo chama de bom senso. Seriam mesmo duas maneiras de pensar a realidade.
R: O senhor fala em sua obra sobre estes fantasmas de terceira espécie, os simulacros de terceira espécie. Qual a relação destes fantasmas com os átomos?
L: Vamos entender melhor como esta física é constituída. Estou afirmando, junto com Epicuro, que o que constitui os corpos são os átomos e o vazio, dois infinitos. Ora, quando os átomos se agregam, se juntam, eles formam os corpos. Veja a extensão disso. Os átomos são eternos, mas as junções dos átomos, os corpo, duram, ou seja, estão no tempo. Bergson, outro filósofo francês, viu bem isso na sua prática filosófica. Ele estuda o tempo exatamente dessa maneira; claro, dentro do seu próprio sistema, com seus próprios conceitos. Esses átomos que estamos falando não são como estes que a física passou a descrever muito recentemente. Eles não podem ser divididos, eles não podem ser reduzidos. Esses átomos modernos, na verdade, dentro deste pensamento, já são corpos, eles são constituído de partes. Além disso, o que é fundamental entender, os átomos não podem ser apreendidos pela sensibilidade. Só os corpos são sensíveis. A sensibilidade só apreende os corpos, não os átomos. Os átomos e o vazio são exatamente - você vai se surpreender aqui - o próprio Caos. É aquilo que o filósofo que citei a pouco, Bergson, chamaria de “virtual” e o Deleuze chama de “empírico transcendental” ou “Corpo sem Órgãos”, ou seja, a condição de genealogia do individuo, do real existente. Essa não é bem uma linguagem que eu estou habituado a usar, mas nesse mundo do tempo que não é linear, agente é capaz de cada coisa surpreendente. Esses três infinitos, portanto, átomos, vazio e conjunto dos átomos e vazio, só são apreendidos pelo pensamento, não pela sensibilidade.
Agora a questão. Os corpos, que são constituídos pelos átomos e pelo vazio, podem ser apreendidos pela sensibilidade. Esses corpos, os indivíduos no mundo, só são apreensíveis porque emitem átomos. Na verdade compostos de átomo. Você está entendendo? Os corpos emitem átomos e essas emissões são apreendidas pela sensibilidade. Claro, são compostos de átomos, já que os átomos em si não podem ser apreendidos. Você poderia me perguntar se esses corpos emitem átomos, como eles não se extinguem? A resposta é muito simples: todo corpo encontra-se em um meio e este meio imediatamente repõe os átomos que foram emitidos. Essas emissões de átomos eu chamo de Simulacros. Ainda há mais, os corpos emitem átomos de superfície e de profundidade. Há diferenças entre eles. Assim, estou falando de dois tipos de emissões: átomos de superfície e átomos de profundidade. Agora uma coisa terrível. Há ainda uma terceira espécie simulacro. Os corpos são, portanto, fontes destas emissões. Ora, quando essas emissões se afastam da sua fonte elas ganham uma certa autonomia, elas não são mais, digamos, dependentes de suas fontes. A essas emissões eu chamo de fantasmas de terceira espécie. Agora, estas emissões, esses simulacros de terceira espécie, os fantasmas, podem ser ainda de três maneiras: oníricos, teológicos e eróticos. Esses fantasmas não são criados por um sujeito, eles estão na natureza. Não são criados por algum tipo de ficção, são absolutamente reais. De novo em outra linguagem: eles são imanentes. Então, ao se distanciarem de suas fontes eles vão adquirindo isso que eu chamei de certa autonomia e também vão perdendo sua conformação. Quanto mais eles se distanciam de suas fontes, mais eles perdem sua conformação e aparece um fenômeno, a interpenetração destes fantasmas. Eles se interpenetram. E aqui está todo problema: estes fantasmas, esses simulacros de terceira espécies que se distanciam de suas fontes são a origem dos mitos. Todo tipo de imagem. Porque eles se misturam aparecem dragões de fogos, cavalos alados etc. Então, os fantasmas oníricos, teológicos e eróticos seriam os responsáveis por todas as superstições, por todo terror. A origem dos falsos infinitos. Estes falsos infinitos então, que são o poder do corpo para o infinito de prazer e o poder da alma para a infinita duração, têm origem exatamente nestes simulacros de terceira espécie. E é aqui que aparece o homem religioso, que atualmente ocupa as mais diversas formas, se aproveitando destes falsos infinitos, destes simulacros para gerar paixões tristes, produzindo a perturbação das almas dos homens. 
R: Perturbação da alma em que sentido?
L: Poço dizer que, por causa destes falsos infinitos, o homem tem sua alma totalmente perturbada, de tal maneira que o homem não teme a dor física.  O que mais o acomete é a perturbação de sua alma. Veja por exemplo o caso da peste em minha época e da AIDS agora. O terror da alma suplanta em muito a dor física. Veja então, que a experiência dos fantasmas de terceira espécie é absolutamente real e é isso que garante o enunciado do homem religioso. Aqui está então todo problema político: o medo da morte. Medo de morrer e de depois de mortos ainda estarmos vivos.
R: Você falava da questão do tempo, citando inclusive Bergson e Deleuze. Poderia nos dizer mais?
L: Eu dizia que há três tipos de emissões: simulacros de superfície, simulacros de profundidade e Fantasmas. Bem, os três tipos diferem em suas velocidades de emissões. Cada um deles possui uma velocidade diferente de emissão. Ora, se são três velocidades diferentes nós imediatamente temos tempos também distintos. Nós ai já saímos do tempo como uno. O tempo é então múltiplo. Isso justifica, inclusive, essa nossa entrevista, não é?
R: Entendendo que sua obra é altamente prática, tomando-se o prático como ético e o especulativo como epistemológico. Como evitar os fantasmas de terceira espécie e, por conseguinte, a perturbação da alma?
L: É bem simples. Toda a questão prática, toda a questão ética, é o prazer. O prazer se opõe a dor. Então, suprimir e evitar a dor. Agora, nossos prazeres têm obstáculos mais fortes que as próprias dores: os fantasmas, as superstições, os terrores, o medo de morrer, tudo o que forma a inquietação da alma. É a inquietação da alma que multiplica a dor. Se essas inquietações são produzidas pelos fantasmas de terceira espécie, que são as próprias ilusões, e essas ilusões são governadas pelos homens religiosos, para atingir o prazer teríamos que afastar esses simulacros. Mas os fantasmas de terceira espécie não são produzidos por um sujeito, eles são absolutamente reais e imanentes. Ora, não é possível afastá-los, eles sempre estarão presentes. Mas se o pensamento puder lidar com estes fantasmas, nós, inclusive, poderemos rir com eles, ter prazer com eles. Governar estes fantasmas, não deixar que o religioso o faça. Esta é toda questão ética, que também é estética e política. Essa é toda questão de pensadores como Espinosa, Nietzsche, Bergson, Deleuze, Foucault e tantos outros, assim como artistas como Artaud, Van Gogh, Kafka etc, ou seja, atingir o pensamento, atingir o virtual, a singularidade, o Corpo Sem Órgãos. Atingir o abstrato, aquilo que é pré-individual e apessoal.  Confrontar-se com o Caos, com as velocidades infinitas. A função do pensamento, então, é o confronto com o Caos.
R: Você fala em abstrato. A filosofia clássica também fala em abstrato. Qual a distinção?
L: Se tomarmos a posição clássica da filosofia veremos que há duas maneira de conhecer: conhecimento pela sensibilidade e conhecimento pelo intelecto. Pela sensibilidade podemos conhecer os corpos, os indivíduos no mundo – eu vejo, toco, ouço, sei que estou com fome etc. - e pelo intelecto podemos conhecer a espécie por abstração. Em Kant a primeira forma é a estética transcendental e a segunda a analítica transcendental. Então, uma coisa é este ou aquele homem – o individuo no mundo. Mas o intelecto não quer conhecer o individuo, e nem poderia, ele que conhecer “o homem”. “O homem” é uma abstração. O intelecto abstrai as semelhanças dos indivíduos e dá a espécie. Puramente Aristotélico, não é? Produção de conhecimento por abstração. Este é todo o procedimento dominante no ocidente. O que estou dizendo é absolutamente outra coisa. O abstrato não está no intelecto. O abstrato está no real. É o átomo. O abstrato é o átomo. Desta maneira o átomo jamais poderá ser apreendido pelo sensível, só o pode pelo pensamento. O que a sensibilidade apreende são os compostos. Quem apreende o átomo é o pensamento. Veja, a profundidade do que eu estou falando e que é, de muitas maneiras diferentes, retomado ao longo do tempo, é que o real não é só o concreto; existe também um real que é abstrato.

Texto de Altair Massaro, contando intensamente com os seguintes aliados: Áudios e transcrições das aulas de Cláudio Ulpiano e Luis Fuganti, além dos textos: Apêndice 2 de Lógica dos Sentidos de Gilles Deleuze e Sobre a Natureza das Coisas de Lucrécio.

Seremos mais fortes....


Mas nós ganharemos também se nos sentirmos mais alegres e mais fortes. 
Mais alegres, porque a realidade que se inventa sob nossos olhos dará a cada um de nós, sem cessar, certas satisfações que a arte fornece de tempos a tempos aos privilegiados da fortuna; ela nos descobrirá, para além da fixidez e da monotonia que nela apercebem de início nossos sentidos hipnotizados pela constância de nossas necessidades, a novidade sem cessar renascente, a movente originalidade das coisas.


Mas nós seremos sobretudo mais fortes, porque à grande obra de criação que está na origem e que prossegue sob nossos olhos nós nos sentiremos participantes, criadores de nós mesmos.


Nossa faculdade de agir, em se reapoderando, se intensificará.


Humilhados até aí em uma atitude de obediência, escravos de não sei quais necessidades naturais, nós nos redirigiremos, mestres associados a um maior Mestre. Tal será a conclusão de nosso estudo (...) Este pode ser uma preparação para bem viver (Bergson, 1993, p.116).


Bergson sobre a melancolia do pensador Lucrecio.



segunda-feira, 26 de março de 2012

domingo, 25 de março de 2012

Invasão de privacidade....

"Poderiam desnudar, nos mínimos detalhes tudo quanto houvesse feito, dito ou pensado, mas, o íntimo do coração, cujo funcionamento é um  mistério até para o próprio indivíduo, continuará inexplicável."


George Orwell


GRAÇAS A DEUS !!!!


SUA VIDA PRIVADA É SEGURA?


Acredito na democracia e passei grande parte de minha vida lutando por ela. Não apenas a democracia social mas também a democracia nas relações, respeitando as individualidades, aceitando as diferenças, tentando entender a vida e as pessoas.
Sempre acreditei que a Ética, o Respeito, o Direito, são metas as serem buscadas permanentemente.
A medida que a raça humana evolui em conhecimento, a luta pelo respeito, pela democracia se intensifica, uma vez que com o avanço da tecnologia, os meios de controle também evoluem e podem ser usados tanto para o bem quanto para o mal.
Podem ser usados sobretudo por aqueles que desejam controlar nossas vidas, dizer o que devemos fazer, o que deveríamos pensar, como deveríamos agir e assim por diante.
É como se tentassem "viver por nós", pois na opinião deles, não teríamos o direito de viver à nossa maneira.
Desde que a nossa vida não prejudique a vida de ninguém, do país, da sociedade, de qualquer pessoa enfim, temos o direito à individualidade que o Criador nos concedeu como benção suprema.
Mas como bom democrata, também aceito os pontos de vista contrários, para poder meditar sobre eles, embora aqueles que vivem a monitorar nossas vidas talvez não pensem assim.
No mundo existem dois tipos de pessoas, aquelas que criam, que fazem acontecer, que levam o mundo para a frente, tentam fazer um mundo melhor e também existem aquelas que vivem em função das outras pessoas, dependem do que elas fazem para poder sobreviver, para poder tornarem-se alguma coisa. De que tipo você é?


Sua privacidade é realmente sua?


George Orwell, em 1984, já falava do big brother. Hoje muita gente pensa que seria, entre outros, o Google, que armazena todas as informações sobre seu tráfego conhecendo sua personalidade pelos seus movimentos dentro da internet. Mas existem muitos outros sistemas que estão se popularizando e que é importante que sejam tornados públicos.
Entre eles o mspy é um dos sistemas mais populares, que qualquer um pode adquirir, para controlar pela internet e telefone, a vida e o movimento dos outros.
Acesse www.mspy.com,
de preferência com o google, pois aí  você já pode também traduzir se tiver alguma dificuldade no inglês, e veja tudo o que pode ser feito hoje em dia para controlar a vida alheia.
Já que a legalidade do uso desses sistemas seja discutível, acredito que divulgar essa informação é útil para todos aqueles que vivem éticamente, dentro da lei e não tenham nada a esconder.
Como dizia Voltaire: "posso não concordar com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las".


"Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique, todo o resto é publicidade".  George Orwell (autor de 1984).



sexta-feira, 23 de março de 2012

quarta-feira, 21 de março de 2012

Tempo e espaço no Eu profundo e outros Eus

Se escavarmos por baixo dessa superfície de contato com as coisas exteriores, penetraremos nas profundezas da consciência e chegaremos ao eu profundo, vivendo na pura duração:
"É, por sob estes cristais bem recortados e este congelamento superficial, uma continuidade que se escoa de maneira diferente de tudo o que já vi escoar-se. É uma sucessão de estados em que cada um anuncia aquele que o segue e contém o que o precedeu" (Bergson, 1903/1984, p. 16).
Da mesma maneira, mas indo à direção oposta, Bergson esclarece o processo pelo qual o eu profundo superficializa-se:
"Pouco a pouco, estes estados (profundos) transformam-se em objetos ou em coisas; não se separam apenas um do outro, mas também de nós. Então só os percepcionamos no meio homogêneo em que condensamos a sua imagem e através da palavra, que lhes empresta a sua banal coloração. Assim se forma um segundo eu que esconde o primeiro, num eu cuja existência tem momentos distintos, cujos estados se separam um dos outros e se exprimem sem dificuldade, por meio de palavras" (Bergson, 1889/1988, p. 96).

terça-feira, 20 de março de 2012

Afetos e afetados

Acredito que enquanto afetos não conhecidos, desbravados e compreendidos pela Luz da Consciência determinarem nossos caminhos, julgamentos, nosso livre arbitrio, já não seremos, nós mesmos, sujeitos, daquilo que eu chamaria de "afeto efeitor", mas sim, somente marionetes do destino interagido e ainda não inteligível para nossa compreensão.

Caminhar em direção a nós mesmos, coincidir conosco mesmo, talvez seja conseguir sermos livres das manipulações e controles dessa força externa, trazida à Luz da Consciência pelo processo dialético, dinâmico e fluídico do compreender, embora nunca pleno, mas em constante mutação e formatação.
Talvez a função do que nos afeta seja gerar uma energia consciencial de empuxo rumo a autocompreensão. A mesma "cenoura" para diversas percepções e ocasiões.

Acredito que o controle consciencial sempre é e sempre será nosso, e, embora nunca saibamos direito o que é isso, pois é um processo perene, à medida que tomamos conhecimento do peso, da influência e de nossa parcimonia com os efeitos desses afetos sobre nós, manteremos o "controle" ou a "sanidade" (dinâmica) do que acreditamos poder nos afetar. Conseguimos "seguir" sem precisar desse "piloto automático", dessa "sombra" a tentar roubar nosso "poder". Vamos crescendo em Consciência, em Luz, em Discernimento.

Creio que só nos afeta o que desconhecemos. O que conhecemos não nos espanta mais!!! Quando o efeito do afeto é trazido à Luz da Consciência, torna-se uma ferramenta no processo evolutivo para compreendermos o fio tênue do equilibrio dinâmico das experiências entre todos os seres e que, acredito, sirva, em última análise, para evoluirmos e nos compreendermos, através da equação matemática entre o que somos, onde estamos, para onde vamos e tudo o que poderíamos ser, além do mais importante, o "para quê".

Eu particularmente gosto de ser afetado na percepção de minhas limitações, adoro isso, pois provoca em mim, a força para buscar mais Luz, compreendendo os efeitos que os afetos provocam em minha Alma.


by Gildo.