quarta-feira, 17 de maio de 2017

Lispector, intensa...

Trecho de A Paixão Segundo G.H.

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E tudo isto é neste próprio instante, é no já. Mas ao mesmo tempo o instante atual é todo remoto por causa do tamanho-grandeza do Deus. Por causa do enorme tamanho perpétuo é que, mesmo o que existe já, é remoto: no próprio instante em que se quebra no armário a barata, ela também é remota em relação ao seio da grande indiferença-interessada que a reabsorve impunemente.
A grandiosa indiferença - era isto o que estava existindo dentro de mim?
A grandeza infernal da vida: pois nem meu corpo me delimita, a misericórdia não vem fazer com que o corpo me delimite. No inferno, o corpo não me delimita, e a isso chamo de alma? Viver a vida que não é mais a de meu corpo - a isto eu chamo de alma impessoal?
E minha alma impessoal me queima. A grandiosa indiferença de um astro é a alma da barata, o astro é a própria exorbitância do corpo da barata. A barata e eu aspiramos a uma paz que não pode ser nossa - é uma paz além do tamanho e do destino dela e meu. E porque minha alma é tão ilimitada que já não é eu, e porque ela está tão além de mim - é que sempre sou remota a mim mesma, sou- me inalcançável como me é inalcançável um astro. Eu me contorço para conseguir alcançar o tempo atual que me rodeia, mas continuo remota em relação a este mesmo instante. O futuro, ai de mim, me é mais próximo que o instante já.
A barata e eu somos infernalmente livres porque a nossa matéria viva é maior que nós, somos infernalmente livres porque minha própria vida é tão pouco cabível dentro de meu corpo que não consigo usá-la. Minha vida é mais usada pela terra do que por mim, sou tão maior do que aquilo que eu chamava de “eu” que, somente tendo a vida do mundo, eu me teria. Seria necessário uma horda de baratas para fazer um ponto ligeiramente sensível no mundo - no entanto uma única barata, apenas pela sua atenção-vida, essa única barata é o mundo.
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sábado, 6 de maio de 2017

Reflexões

SEMPRE AGORA... lugar desafiador, busque esse exercício, busque estar no agora, o que será que acontecerá?
“A maioria de nós faz de tudo pra não pensar sobre a morte. Mas há sempre uma parte das nossas mentes que sabe que isso não pode durar pra sempre. Parte de nós sempre sabe que a visita a um médico ou um telefonema irá duramente nos lembrar do fato da nossa própria mortalidade ou daqueles próximos de nós. Eu estou certo de que muitos de vocês nessa sala experimentaram isso de alguma forma e devem saber o quão sinistro é, ser subitamente arrancado do curso normal da sua sua vida para apenas se entregar em tempo integral à tarefa de não morrer, ou de cuidar de alguém que esteja morrendo. Mas a única coisa que as pessoas tendem a ser dar conta em momentos como esse é que elas desperdiçaram muito tempo quando a vida era normal. E não é só sobre o que elas fizeram com o seu tempo. Não é só sobre gastar tempo demais trabalhando ou checando e-mails compulsivamente. É que elas se importavam com as coisas erradas. Elas se arrependem sobre aquilo com o quê se importavam. Sua atenção estava voltada a preocupações insignificantes, ano após ano, quando a vida era normal. E isso é um paradoxo é claro, porque todos nós sabemos que essa epifania está chegando. Digo, você não sabe que está chegando? Você não sabe que chegará um dia em que você estará doente, ou alguém próximo a você irá morrer, e você vai olhar pra trás para o tipo de coisas que capturavam a sua atenção, e vai pensar: “O que eu estava fazendo?”.
— Sam Harris, em “Death and The Present Moment”
E nós, agora?
O que estamos fazendo?

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segunda-feira, 1 de maio de 2017

A MEIA-NOITE DA RAZÃO

Texto de Eterno Retorno:
A MEIA-NOITE DA RAZÃO
Tememos o não sentido. Somos viciados no sentido. Ser no lugar do não-ser. Cadê o meu ser! – gritamos desesperados no tempo. A ciência é a mais carente de sentido, se não houver sentido não há ciência. Eu sei, a nobreza diz que a ciência dá sentido ao sem sentido, e assim caminhamos – verniz ilusório, quem dá sentido é o homem que faz ciência. Sentido arbitrário mas que não se diz arbitrário por que segue uma lógica, gira em torno de sistemas e outras lógicas… mas também arbitrários. A lógica é o empacotamento do arbitrário para que um dependa do outro – cria-se uma rede de dependência e como as origens são esquecidas, cria-se a ilusão de coerência e sentido. Ou você para no sentido que tem, ou vai ficar escavando fundos em busca de sentidos, e como todo fundo pode ter seu fundo retirado, escavamos. Escavamos em busca de resolver o mistério, o desconhecido, o assombroso do mundo? O universo é indiferente, o mundo nos esmaga com sua brutalidade incognoscível.

A questão não é tanto escavar ou deixar de escavar, um sentido por outro sentido, ambos são buscas incessantes de sentidos. Nem razão nem irrazão. Irrazão! Palavra selvagem aos dicionários. O despotismo do sentido nos faz bichos incomodados com o silêncio, é como se precisássemos falar o tempo todo, e falamos. Se pudéssemos imaginar um mundo onde a maior parte do que comunicamos fosse realmente aquilo que gostaríamos de dizer, talvez houvesse somente uma pequena biblioteca no mundo, e o silêncio seria a partitura por onde irromperia alguns ruídos vocálicos. Compreender a tagarelice que somos, espermatozóides verborrágicos conforme chamado por Cioran, possibilita-nos deixar de viver nas trincheiras de coerência e clareza de palavras com que se trava a batalha contra nossa ruína, ruína no tempo, na morte, na dissolução… em vão. Possibilita-nos a deixar de morrer pelo sentido. Morremos a cada vez que algo sai fora da órbita do sentido. Não compreendo isso, ou isso não me faz sentido ou isso não poderia ter acontecido comigo. E quem disse que nossos encontros no mundo devem vir carimbados com uma justificativa? A história dos homens é a história da aspereza do homem contra o mundo. Também podemos acariciá-lo, delirando e devaneando sob o manto lunar.
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