segunda-feira, 26 de junho de 2017

A Morte Enobrece

A Morte Enobrece
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre "escravo" vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.
Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo. É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser. É que ali não está um escravo, embora ele chorando perdesse a servidão. Como um rei cuja maior pompa é o seu nome de rei, e que pode ser risível como homem, mas como rei é superior, assim o morto pode ser disforme, mas é superior, porque a morte o libertou.
Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.
Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído.
— Fernando Pessoa, in "O Livro do Desassossego".
Ilustração de Jean Francois Millet.

Texto e imagem compartilhado do Facebook da página Literatus

domingo, 25 de junho de 2017

De uma vez por todas, há muitas coisas que não quero absolutamente saber. — A sabedoria traça limites, mesmo ao conhecimento.

(Friedrich Wilhelm Nietzsche, in O Crepúsculo dos Ídolos)


Compartilhado do FB página Friedrich Wilhelm Nietzsche.



A Consciência do procusto de nossa percepção, encaixotada pelas paredes do dinâmico saber, torna dramática a cegueira do enxergar. Gildo.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

PROCURA-SE UM AMANTE
Muitas pessoas têm um amante, e outras gostariam de ter um. Há também as que não têm, e as que tinham e perderam. Geralmente são estas últimas que vêem ao meu consultório para me contar que estão tristes ou que apresentam sintomas típicos de insónia, apatia, pessimismo, crises de choro, ou as mais diversas dores.
Elas contam-me que as suas vidas correm de forma monótona e sem perspectivas, que trabalham apenas para sobreviver e que não sabem como ocupar o tempo livre. Enfim, são várias as maneiras que elas encontram para dizer que estão simplesmente a perder a esperança. Antes de me contarem tudo isto, já tinham estado noutros consultórios, onde receberam as condolências de um diagnóstico firme: "Depressão"... além da inevitável receita do anti-depressivo do momento. Assim, depois de as ouvir atentamente, eu digo-lhes que elas não precisam de nenhum anti-depressivo. Digo-lhes que o que elas precisam é de um Amante!
É impressionante ver a expressão dos olhos delas ao receberem o meu conselho. Há as que pensam: "Como é possível que um profissional se atreva a sugerir uma coisa destas ?!".
Há também as que, chocadas e escandalizadas, despedem-se e não voltam nunca mais. Às que decidem ficar e não fogem horrorizadas, eu explico-lhes o seguinte:
Amante é "aquilo que nos apaixona". É o que toma conta do nosso pensamento antes de adormecermos, e é também aquilo que, às vezes, nos impede de dormir. O nosso Amante é o que nos mantém distraídos em relação ao que acontece à nossa volta. É o que nos mostra o sentido e a motivação da vida.
Às vezes encontramos o nosso amante no nosso parceiro, outras vezes, em alguém que não é nosso parceiro, mas que nos desperta as maiores paixões e sensações incríveis. Também podemos encontrá-lo na pesquisa científica ou na literatura, na música, na política, no desporto, no trabalho, na necessidade de nos transcendermos espiritualmente, numa boa refeição, no estudo, ou no prazer obsessivo do nosso passatempo preferido...
Enfim, Amante é "alguém" ou "algo" que nos faz "namorar" a vida e nos afasta do triste destino de "ir vivendo". E o que é "ir vivendo"?
"Ir vivendo" é ter medo de viver.
É vigiar a forma como os outros vivem, é o deixarmo-nos dominar pela pressão, andar por consultórios médicos, tomar remédios multicoloridos, afastarmo-nos do que é gratificante, observar decepcionados cada ruga nova que o espelho nos mostra, é aborrecermo-nos com o calor ou com o frio, com a humidade, com o sol ou com a chuva.
"Ir vivendo" é adiar a possibilidade de viver o hoje, fingindo contentarmo-nos com a incerta e frágil ilusão de que talvez possamos realizar algo amanhã.
Por favor, não se contentem com "ir vivendo". Procurem um amante, sejam também um amante e um protagonista da vossa vida...
Acreditem que o trágico não é morrer, porque afinal a morte tem boa memória e nunca se esqueceu de ninguém. O trágico é desistir de viver, por isso, e sem mais delongas, procurem um amante.
A psicologia, após estudar muito sobre o tema, descobriu algo transcendental:
"Para se estar satisfeito, activo, e sentirem-se jovens e felizes, é preciso namorar a vida".
Jorge Bucay, psicólogo e psquiatra argentino.
Livro: "Hay que buscarse un Amante"
Compartilhado do Facebook da página: Ponto e Vírgula - Pausa para Saltar - Edilene Torino

domingo, 18 de junho de 2017

John Keats: trecho do poema "Endymion": trad. p. Augusto de Campos



Endymion (trecho)

O que é belo há de ser eternamente

Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.

Arriscar conforma. Arriscar com forma.

Formatar imponderabilidades, quimera vã de um processo autofágico da sisifiniana imprevisibilidade.

Gildo Fonseca.

sábado, 17 de junho de 2017

Sim, bem sei donde provenho:
Insatisfeito, como chama em seco lenho
Vou ardente e me consumo.
Tudo o que toco faz-se luz e fumo,
Fica em carvão o que foi minha presa:
Sou chama com certeza”
– Nietzsche, Gaia Ciência, Rima Alemãs, §62

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Fellini sobre Borges

Federico Fellini sobre Borges

Borges me comunica siempre una singular exaltación pacificadora a causa de su prodigiosa vocación de aprisionar, aunque sea por un instante, entidades tan ambiguas y enrarecidas como el tiempo, el destino, la muerte, los sueños, en operaciones mentales portentosas y refinadas, en mecanismos conceptuales poderosamente simplificados, libres de los oropeles de la lógica, de los juegos de equilibrio de la dialéctica. Sobre todo para un hombre de cine, Borges es un autor particularmente estimulante en cuanto a que lo excepcional de su literatura consiste en ser muy parecida al sueño, como una extraordinaria visión onírica al evocar del subconsciente imágenes innatas donde la cosa y su significado coexisten simultáneamente, exactamente como en una película. Y justamente como en los sueños, también lo incongruente de Borges, lo absurdo, lo contradictorio, lo arcaico, lo repetitivo, aún conservando toda su virulenta carga fantástica, son igualmente iluminados como los rigurosos detalles de un dibujo más amplio e ignorado, son los elementos impecables de un mosaico atrozmente perfecto e indiferente. También, Borges, me hace pensar en un flujo onírico discontinuo, y la heterogeneidad de esta misma producción —relatos, ensayos, poesías— prefiero imaginármelas, no como el fruto de los múltiples resortes de un talento impaciente, sino más bien como el signo sin descifrar de una metamorfosis infatigable.

Imagem e texto compartilhados do Facebook da página  Las cuatro esquinas, una intersección literaria.

O sonho - Borges

El sueño
Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente, 
sientes que te han robado una fortuna?
¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?

Jorge Luis Borges

Lastros fictícios e voláteis valorações

SUTILEZAS QUASE IMPERCEPTÍVEIS!!!!
As notas (títulos de vários governos) podem não ter lastro em qualquer coisa de valor real em toda a economia.

Baseiam-se num fluxo de confiança que só existe por causa da crença de que ela é real, tem retaguarda e consistência e, devido a isso, empresas privadas assumem as ofertas de dinheiro das emissões públicas e permitem que as impagáveis dívidas nacionais continuem, indefinidamente a existir.

Dívidas que nunca poderão ser, efetivamente, resgatadas, pois seu lastro talvez seja tão volátil quanto as intenções de seus administradores. Um sutil controle sobre o fluxo onde todos os eixos da vida são dependentes.

O fluxo da própria sobrevivência e suas nuances de expectativas e necessidades individuais são subjugadas e manipuladas pelo sutil controle do fluxo do oxigênio financeiro que banca as necessidades e aspirações feitas pelos senhores do mundo, senhores da vida, à revelia de consciências, sempre sobrepujadas por pequenas e triviais "emergências" cotidianas de caráter interior e exterior. 

E la nave va... Gildo Fonseca

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sartre — horror a existência

Meu pensamento sou eu: eis por que não posso parar. Existo porque penso... E não posso me impedir de pensar. Nesse exato momento — é terrível — se existo é porque tenho horror a existir. Sou eu, sou eu que me extraio do nada a que aspiro: o ódio, a repugnância de existir são outras tantas maneiras de me fazer existir, de me embrenhar na existência. Os pensamentos nascem por trás de mim como uma vertigem, sinto-os nascer atrás de minha cabeça... Se eu cedo, o pensamento cresce, cresce e fica imenso, me enchendo por inteiro e renovando minha existência.
— Jean-Paul Sartre, in A Náusea. pg 137. Editora Nova Fronteira.
Obra de Jean Veber.

quinta-feira, 1 de junho de 2017