quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O SUBSTRATO DA BUSCA OU A BUSCA DO SUBSTRATO E SUAS INTEMPÉRIES
 
Tal qual mariposas atraídas pela luz, todos nós, sem exceção, buscamos alguma coisa, algum motivo, algumas razões, muitas vezes voláteis, efêmeras, transitórias mas que justifiquem, de forma embriagadora, a caminhada da nossa existência.
 
Casuais motivos aturdindo nossa pretensa lucidez pulsam em inconsciência nos substratos resultantes de cada uma de nossas relações com pessoas, coisas e fatos. Quem saberá ao certo o que e o quanto perscruta a consciência, recheada de imponderáveis entornos com as consequências do instante seguinte oculto na burca de cada porvir? A eloquência encantadora dos cantos de sereia, contidos em cada desejo cotidiano, inclusive da patética tentativa de explicação das coisas, inebria voláteis, sombrias e pueris certezas, tão cativas da transitoriedade das formas, dos enlaces racionalizantes, das quimeras de satisfações que alimentam nosso Caminhar. Navegar não é preciso. Preciso é ter a sanidade de compreender, uma luz num lapso de momento, nesse processo, onde fluímos em circunstâncias e aceitamos aquilo que acreditamos que somos e que temos. Aproveitemos também a plena consciência da infinitude de tudo aquilo que ainda, conscientemente, não somos e que nos permeia, nos envolve, nos embala nesse útero da Vida. Estamos em permanente processo de germinação onde morre a percepção anterior para dar vida ao novo Olhar que sente o instante seguinte.
 
Essa alguma coisa fantasiada de desejo ou necessidade é senhora de cada um de nós, do nosso destino, de nossas ações. Norteiam nosso despertar, o nosso dormir e o que chamamos de vida no intervalo entre essas duas coisas. O Substrato, para alguns é a intensidade de transitórios momentos, fortuitos, intensamente extasiantes. Para outros, o frescor da força das ondas que batem numa praia de areia formada em nossos corações, em nossas mentes, num vitral formado de uma miríade de casuais desejos tão importantes para que continuemos bêbados. Uma sóbria embriaguez, instantânea e volátil.
 
O substrato de nossas buscas é a busca do substrato das intempéries de todas as relações, inclusive de nossos turbulentos mares interiores. Que possamos buscar, com intensa precisão.
 
Gildo Fonseca.

domingo, 15 de janeiro de 2023

 “A pornografia é o erotismo dos outros.” André Breton.

Pérolas de Barthes, sempre maravilhoso...

Barthes:

"A linguagem é uma pele, esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavra."

"Quanto mais experimento a especialidade do meu desejo menos posso nomeá-la".

Roland Barthes. Fragmentos de um Discurso Amoroso. Trecho:
 
“Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis o grande enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo esse? Por que o desejo por tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta, uma forma, uma aparência)? Ou apenas uma parte desse corpo? E, nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem a tendência de fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar afastando os dedos para falar? De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que único: “É isso! Exatamente isso (que amo)!” No entanto, quanto mais experimento a especialidade do meu desejo, menos posso nomeá-la; à precisão do alvo corresponde um estremecimento do nome; o próprio do desejo não pode produzir um impróprio do enunciado: deste fracasso da linguagem, só resta um vestígio: a palavra “adorável” (a boa tradução de “adorável” seria ipse latino: é ele, ele mesmo em pessoa).”

Onde está a matéria ???

“Esses modelos de energia do mundo subatômico formam as estruturas nucleares, atômicas e moleculares estáveis que constroem a matéria e lhe confere seu sólido aspecto macroscópico, fazendo-nos por isso acreditar que ela é feita de alguma substância material.
Em nível macroscópico, essa noção de substância é uma útil aproximação, mas no nível atômico deixa de ter qualquer sentido.
Os átomos consistem em partículas, e estas partículas não são feitas de qualquer substância material. Quando as observamos, nunca vemos qualquer substância; o que vemos são modelos dinâmicos que se convertem continuamente uns nos outros – a contínua dança da energia. (...)
Há movimento, mas não existem, em última análise, objetos moventes; há atividade, mas não existem atores; não há dançarinos, somente a dança.”
 
Fritjof Capra 
 
Imagem Via Sora Morino
 
Compartilhado do FB, pg. Chav - Centro Holístico Amor e Vida 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Tudo é binário. Os caminhos tem duas vias. A Vida acontece "dentro" e "fora" de nós. Somos palco, somos plateia. Protagonistas e coadjuvantes. Pulsamos no corpo, na alma, em ritmo cadente entre a pulsão de realização e o vácuo, o grande buraco negro do ainda incriado. O possível e o impossível convivem, respiram, inspiram, existem pela combinação de contrastes que formam as imagens, a nossa estrada, na grande cavalgada do nosso espírito, no grande barco da transição no rio das experiências, onde somos o Caronte de nós mesmos, remando rumo à outra margem, em todos os instantes, onde buscamos encontrar outros fragmentos de nós mesmos para que depois, juntados os cacos de cada relação com as realidades, sonhos, delírios e lapsos de lucidez possamos, finalmente, compor, embora ainda pretensiosamente, o mosaico de quem realmente somos. No fim, voltaremos ao início. A gestação aconteceu por toda uma vida no líquido amniótico das convivências. Novamente por fim, conscientemente e no útero de nós mesmos, percebemos que após navegar por tantos conflitos que geram a luz da compreensão, não somos mais binários, mas um espelho, a soma dos grãos de areia de cada compreender e teremos então, embora ainda enevoada, muitas vezes até fantasmagórica, evanescente ou luminosa, uma vaga imagem de nós mesmos, que renascerá sempre, em cada pulsar da percepção, em cada Olhar do nosso Espírito, em cada batida de nossos corações. A dualidade do início e do fim está contida no Agora. Gildo Fonseca.

domingo, 8 de janeiro de 2023

sábado, 7 de janeiro de 2023

Adorável pérola de Giancarlo Galdino...

O texto abaixo é de Giancarlo Galdino, da Revista Bula, fazendo uma análise do filme "O pálido olho azul". Achei tão maravilhosa sua narrativa que resolvi compartilhar aqui:


Chegamos ao mundo sós, estamos sós do berço ao túmulo, e os mais espertos compreendemos logo que é necessário nos empenharmos muito para fazer com que os momentos em que passamos na companhia de outras pessoas tornem-se dignos das melhores lembranças. O aspecto eminentemente paradoxal dessa evidência é que são recorrentes as situações nas quais não se percebe interesse algum de parte a parte, e a despeito da vontade atávica, ancestral e instintiva da fuga e do isolamento, persistimos no comportamento quase obsessivo de adequarmo-nos ao que esperam de nós, observando certas normas tácitas de conduta, de como apresentar-se diante dos outros, esquecendo, ainda que apenas pelo tempo em que somos forçados a abdicar de nossas solidões, dos traumas, neuroses e, claro, das deleitosas manias que fazem nosso cotidiano um pouquinho menos enfaroso. Nem tudo é só desespero, entretanto; é difícil, mas sempre pode se dar o prodígio milagroso de se deparar com alguém que assim, por acaso ou por destino, encontra na vida o mesmo prazer que nós, precisamente por se saber feito de outro barro.

A solidão é muito mais que tão somente a vontade de estar só; há passagens na vida de cada homem, célebre ou irritantemente comum, em que é de fato necessário retirar-se do mundo, ainda que metaforicamente, mesmo que pelo espaço de um instante, para realizar feitos verdadeiramente invulgares. É preciso esquecer muito para se lembrar do pouco que importa; é forçoso mergulharmos no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir. Processo que não raro se mostra doído, abandonar a ribalta, reconhecer-se pequeno, insignificante, hediondo, frágil como qualquer outra pessoa, é um exercício de autopreservação, como se, em extirpando um órgão que já não desempenha as funções para que fora criado, conseguíssemos finalmente reoxigenar o sangue e permitir que assim a vida brote outra vez.

“O Pálido Olho Azul” sobrepuja o básico da narrativa de suspense. Socorrendo-se de elementos técnicos, Scott Cooper tem o condão de ressuscitar o interesse por um dos mais ousados escritores de todos os tempos, ao passo que escapa ao óbvio escolhendo fixar-se nos detalhes que seduzem sua audiência, seja pelo olhar, seja pelo que é dito.

"Hoje, chama-se coragem..."  

Giacóia, como sempre direto na jugular da alma.


 

Refugiar-se no cotidiano, ó doce embriaguez. Relembrando nosso saudoso Benedito Nunes, sempre maravilhoso, que dizia:
 
"Não nos angustiamos como sentimos medo. Tem-se medo de algo definido, de um ser particular (intra mundano), tem-se angústia sem saber de quê. É que o seu objeto é o próprio ser-no-mundo".
 
"O sentimento da existência humana, instantaneamente revelada, põe-nos a sós, numa penosa experiência de isolamento metafísico, que Pascal realizou e exprimiu. Isolamento essencial e paradoxal através da angústia o homem encontra a sua realidade de ser existente, e não podendo suportá-la, refugia-se no mundo, decai para o cotidiano, onde passa a existir de modo público, impessoal, protegido por uma crosta de palavras, por interesses fugidios e perspectivas limitadas, que não o satisfazem completamente e apenas disfarçam o cuidado (sorge) em que vive."
 
(Benedito Nunes analisando as simetrias entre Sartre (a náusea) e Lispector (Paixão segundo G.H.)

Sinto muito, mas o que será que é isso que sinto? Isto é, definitivamente, um cinto...


 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

A carícia não é um simples roçar, ela é modelagem. Acariciando o outro, faço nascer, sob meus dedos, sua carne. A carícia é o conjunto das cerimônias que o outro encarna.

Jean-Paul Sartre

 

 

 

 

Acariciando o Outro, faço nascer meu Olhar, que percebe então, o líquido aminiótico, fluídico, do Amor, criando então a sístole e diástole nossas almas. Nossa transcendência e nossa transgressão perceptiva são frutos da carícia dos (e nos) entornos.

Gildo Fonseca.

Mais uma pérola de Edilene Torino...

 

 

 

 

 

 

 

 

HOMO

Ser de barro sem sopro de vida

Pronto, rígido, frágil e esfarelável

Molde acabado que te aprisiona

Por que teu Deus não te deixou infinito?

Homo, homo

Tu cabes no uni-verso mas não o bispa em ti.

Quisera fosses feito de pó-ema e alma líquida!

E próprio te esculpiste em sopros

sem te concluíres

em formas

Irias nascer pó

Irias morrer pó

Mas irias

Viver argila.

EDILENE TORINO