sexta-feira, 22 de junho de 2012

Desdobramentos da ação da Ritalina

Usado para tratar dificuldades de concentração, o metilfenidato reforça a fixação de eventos traumáticos na memória.

No campo das drogas lícitas, o metilfenidato, é uma das mais ardentes febres farmacológicas de nossos tempos.


Sintetizado pela primeira vez em 1944, esse psicoestimulante tem uso aprovado para tratamento do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), da narcolepsia e de outros distúrbios. Ele provoca a inibição da recaptação de dopamina e noradrenalina, aumentando os níveis desses neurotransmissores na fenda sináptica de modo semelhante ao efeito da cocaína e das anfetaminas. Entretanto, por agir de forma mais lenta e duradoura que essas outras drogas, o metilfenidato tem efeitos fisiológicos mais moderados. Hoje milhões de pacientes em todo o planeta, principalmente uma crescente população de jovens e crianças com baixo rendimento escolar, dificuldades de concentração e outros sintomas, relacionados ao TDAH são tratados com essa substância. O transtorno chega a ser chamado de “doença da mãe ruim”, Por ser mais comum em lares desagregados.

À medida que o diagnostico de déficit de atenção e hiperatividade se generaliza, chegando a atingir assombrosos 10% da população infantil em algumas comunidades dos Estados Unidos, surgem questionamentos sobre os efeitos colaterais do metilfenidato. Pistas importantes foram apreendidas de um domínio bem distinto de sala de aula: a guerra. Em cinco anos, o uso de metilfenidato por tropas americanas cresceu 1.000%. Um estudo de 289 mil veteranos dos conflitos militares do Iraque e Afeganistão mostrou que a incidência do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) cresceu de 0,2% para 22% de 2002 até 2008. Curiosamente, os casos mais graves ocorreram em soldados que utilizaram metilfenidato para aumentar o alerta durante as atividades de combate. Isso acontece porque os neurotransmissores modulados positivamente pelo medicamento fortalecem a aquisição e consolação de memórias, ou seja, eventos violentos da vivencia bélica são gravados profundamente no cérebro dos usuários da substância. Pela mesma razão, remédios que bloqueiam os efeitos da noradrenalina e da dopamina tem efeito terapêutico para o TEPT, especialmente quando administrados poucas horas depois da aquisição das memórias traumáticas.

Se o metilfenidato potencializa a fixação do evento traumático, aprofundando a cicatriz mnemônica, ele funciona como um poderoso agente que reforça a marca dolorosa. Transposto para o cotidiano onde imperam a anomia da televisão e o redemoinho das informações oferecidas pela internet, é de se esperar que esse fármaco tenha apenas efeitos benéficos sobre o aprendizado. Ou existe o perigo de um círculo vicioso, no qual lares desagregados geram filhos desajustados que, por sua vez, se tornaram alvo de receitas médicas que aprofundam neuroses. Nesse pesadelo iatrogênico, a psicofarmacologia acabará servindo aos psicanalistas do futuro um prato cheio de problemas para tratar.

Sidarta Ribeiro


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