sábado, 11 de agosto de 2012

Realidades inexprimíveis


SOBRE A INCOMUNICABILIDADE DO INDIZÍVEL

O texto abaixo é um fragmento de Benedito Nunes sobre Lispector

A oposição entre existência e pensamento, focalizada por Kierkegaard equivale à oposição entre existência e linguagem.

Sucede, porém, que essa tensão, intensificada, levada à suas últimas consequências, pode tornar-se representativa dos problemas metafísicos inerentes à condição humana. É o que ocorre nos romances de Clarice Lispector.

Neles a inquietação que tortura os indivíduos é o desejo de ser, completa e autenticamente - o desejo de superar a aparência, conquistando algo assim como um estado definitivo, realização das possibilidades latentes em nós. Aspiração contraditória! Realizar essas possibilidades é dar-lhes forma e, consequentemente, expressa-las. Não nos contentamos em viver, precisamos saber o que somos, necessitamos compreende-lo e dizer, mesmo em silêncio, para nós mesmos, aquilo em que vamos nos tornando. Alcançamos, pois, expressões parciais da existência indefinida, imagens sucessivas do nosso ser, que aparecem num momento para desfazer-se em outro. A realidade alcançada agora, mostra-se depois como aparência - a única aparência possível no instante em que a engendramos e que outro instante revogará.

O ser que conquistamos não é, pois, aquele para o qual o nosso desejo tende, mas aquele que a expressão capta ou constrói, e que é, de qualquer modo, uma realidade provisória, mutável, substituível que oferecemos aos outros e que nos representa perante eles. Daí a relativa falência da expressão, afetando a comunicação entre os homens. Não nos comunicamos plenamente de ser para ser, segundo o ideal da reciprocidade das consciências, porque cada qual está se construindo, cada qual está fabricando, com o auxílio de palavras, velhas ou novas, a idéia de si mesmo.

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