domingo, 14 de dezembro de 2014

Paixão em Ser instrumento

"Se me torno objeto, posso ser completo.
Se me torno objeto, posso completar a falta do Outro."

1) Se me torno objeto, posso ser completo. O que a propaganda – e uma imensa parte da cultura – nos vende de forma velada? Compre um objeto e sinta-se satisfeito. Em outras palavras, compre um objeto e esteja em harmonia, esteja completo. Compre e cale a tensão. Compre e cale o desejo. Não importa que isto dure 30 minutos (aliás, é este mesmo o objetivo), mas a fantasia é a de que esta suposição é concebível quando, na verdade, estamos falando de um engodo, esta suposição é inviável! Um objeto é aquilo que promete tamponar uma falta (um carro, um perfume, um iPad, uma companheira), mas que não tampona coisa nenhuma.

2) Se me torno objeto, posso completar a falta do Outro. O que caracteriza o objeto é o fato de não ter demanda própria. O objeto não demanda algo para si. Sua única ‘função’ é sua utilidade para seu proprietário. Sua função é satisfazer a demanda de seu mestre. A partir do momento em que abro mão de minha subjetividade, renuncio também aos meus desejos, às minhas demandas mais singulares. Meu objetivo passa a não ser nenhum outro que não seja o de atender e satisfazer aos desejos e demandas de Outro (com maiúscula porque a relação é assimétrica – o Outro é aquele a quem suponho um saber completo, o qual me falta). Desta forma, minha satisfação é saber que meu único valor e utilidade reside em ser instrumento da fruição de outrem. Se me torno objeto, simplifico minha complexidade, minhas contradições, meus não-saberes, minhas faltas, minhas imperfeições. Se me alio àquele que sabe tudo, meu saber incompleto fica aliviado. Em suma, me deformo para servir de instrumento à realização de Outro e assim calar minha dimensão de tensão e de falta. Gozo ao reduzir-me a objeto e ao calar as angústias provenientes da minha humanidade. Mas veja, esta dinâmica só pode ser vista como deformação sob uma perspectiva (tal qual a psicanalítica) que localiza o sujeito justamente como algo para além de sua objetificação, diferente de perspectivas que situem o ser humano como uma máquina, um amontoado de átomos, como um conjunto de processos químicos (como algumas correntes científicas e o segmento da indústria farmacêutica).



'Paixão em Ser Instrumento' de Laerte de Paula.

Publicado por Cristina Gomide Maciel e resgatado por Nattalia Ramos

Compartilhado do FB, da página de Marcel Oliveira.



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