quinta-feira, 21 de julho de 2016

Transitoriedade

A consciência da morte nos dá uma maravilhosa lucidez. (...)

“Resta então a pergunta o que é essencial?” (...) O fato é que sem que o saibamos, todos nós estamos enfermos da morte e é preciso viver a vida com sabedoria para que ela, a vida, não seja estragada pela loucura que nos cerca. Lembrei-me das palavras de Walt Whitman: “Quem anda duzentos metros sem vontade/ anda seguindo o próprio funeral/ vestindo a própria mortalha...”. Pensei então nas minhas longas caminhadas pelo meu próprio funeral, fazendo aquilo que não desejo fazer, fazendo porque outros desejam que eu faça. (...) é preciso escolher. Porque o tempo foge. Não há tempo para tudo. (...)

A vida nunca é terminada. Ela termina sempre sem que tenhamos escrito o último capítulo. O herói do livro ‘Lições de abismo’, de Gustavo Corção, sabendo que não teria mais que seis meses para viver, compara a vida a uma sonata de Mozart que, em vinte minutos, diz tudo o que é para ser dito. Os seus acordes finais não são um fim. O silêncio que os segue não é um vazio. Os acordes finais anunciam que a beleza se consumou. E o silêncio que se segue é para que o encantamento não seja quebrado. Mas a nossa vida, infelizmente, não é como uma sonata. Ela é interrompida antes da hora. Muita coisa fica para ser dita.

A vida é assim: a gente escolhe um caminho na esperança de que ele vá nos conduzir a um lugar de alegria. Tolos pensamos que a alegria está ao final do caminho. E caminhamos distraídos, sem prestar atenção. Afinal de contas, caminho é só caminho, passagem, não é o ponto de chegada. Com frequência, a gente não chega lá, porque morre antes. Mas há uns poucos que chegam ao lugar sonhado – só para descobrir que a alegria não mora lá. Caminharam sem compreender que a alegria não se encontra ao final, mas às margens do caminho.
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[Rubem Alves. In: Variações sobre o prazer - Prefácio - Crônica- "Se eu tiver apenas um ano a mais de vida..."]
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Compartilhado do FB, página Gigantes da Literatura Universal

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