segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Fala-se de amor para falar de muitas
coisas que entretanto nos sucedem.


Para falar do tempo, para falar do mundo
usamos o vocabulário preciso
que nos dá o amor.


Eu amo-te. Quer dizer: eu conheço melhor
as estradas que servem o meu território.


Quer dizer: eu estou mais acordado,
não me enredo nas silvas, não me enredo,
não me prendo nos cardos, não me prendo.


Quer também dizer: amar-te-ei
cada dia mais, estarei cada dia
mais acordado. Porque este amor não pára.


E para falar da morte; da enorme
definitiva irremediável morte,
do carro tombado na valeta
sacudindo uma última vez (fragilidade)
as rodas acendedoras de caminhos
- eu lembraria que o amor nos dá
uma forma difícil de coragem,
uma difícil, inteira possessão
de nós próprios, quando aveludada
a morte surge e nos reclama.


Porque eu amo-te, quer dizer, eu estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.


Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.


Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.


Porque tudo se escreve com a tua letra.



- FERNANDO ASSIS PACHECO

in 'Cuidar dos Vivos', Coimbra, Edição do Autor/Cancioneiro Vértice, 1963


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