segunda-feira, 1 de maio de 2017

A MEIA-NOITE DA RAZÃO

Texto de Eterno Retorno:
A MEIA-NOITE DA RAZÃO
Tememos o não sentido. Somos viciados no sentido. Ser no lugar do não-ser. Cadê o meu ser! – gritamos desesperados no tempo. A ciência é a mais carente de sentido, se não houver sentido não há ciência. Eu sei, a nobreza diz que a ciência dá sentido ao sem sentido, e assim caminhamos – verniz ilusório, quem dá sentido é o homem que faz ciência. Sentido arbitrário mas que não se diz arbitrário por que segue uma lógica, gira em torno de sistemas e outras lógicas… mas também arbitrários. A lógica é o empacotamento do arbitrário para que um dependa do outro – cria-se uma rede de dependência e como as origens são esquecidas, cria-se a ilusão de coerência e sentido. Ou você para no sentido que tem, ou vai ficar escavando fundos em busca de sentidos, e como todo fundo pode ter seu fundo retirado, escavamos. Escavamos em busca de resolver o mistério, o desconhecido, o assombroso do mundo? O universo é indiferente, o mundo nos esmaga com sua brutalidade incognoscível.

A questão não é tanto escavar ou deixar de escavar, um sentido por outro sentido, ambos são buscas incessantes de sentidos. Nem razão nem irrazão. Irrazão! Palavra selvagem aos dicionários. O despotismo do sentido nos faz bichos incomodados com o silêncio, é como se precisássemos falar o tempo todo, e falamos. Se pudéssemos imaginar um mundo onde a maior parte do que comunicamos fosse realmente aquilo que gostaríamos de dizer, talvez houvesse somente uma pequena biblioteca no mundo, e o silêncio seria a partitura por onde irromperia alguns ruídos vocálicos. Compreender a tagarelice que somos, espermatozóides verborrágicos conforme chamado por Cioran, possibilita-nos deixar de viver nas trincheiras de coerência e clareza de palavras com que se trava a batalha contra nossa ruína, ruína no tempo, na morte, na dissolução… em vão. Possibilita-nos a deixar de morrer pelo sentido. Morremos a cada vez que algo sai fora da órbita do sentido. Não compreendo isso, ou isso não me faz sentido ou isso não poderia ter acontecido comigo. E quem disse que nossos encontros no mundo devem vir carimbados com uma justificativa? A história dos homens é a história da aspereza do homem contra o mundo. Também podemos acariciá-lo, delirando e devaneando sob o manto lunar.
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