domingo, 17 de setembro de 2017

“Nossas percepções, sensações e idéias se apresentam sobre um duplo aspecto: um nítido, preciso, mas impessoal; o outro confuso, infinitamente móvel e inexprimível, pois a linguagem não saberia apreendê-lo sem fixar sua mobilidade nem adaptá-lo à sua forma banal sem fazê-lo tombar em seu domínio comum [...] Nossa vida exterior e por assim dizer social tem mais importância prática para nós que nossa existência interior e individual. Nós tendemos instintivamente a solidificar nossas impressões para expressá-las em linguagem. Daí vem que nós confundamos o sentimento mesmo, que está em perpétuo devir, com seu objeto exterior permanente e sobretudo com a palavra que exprime este objeto. [...] Só há na alma humana progresso. O que quer dizer que toda sensação se modifica em se repetindo e que, se ela não me parece mudar da noite para o dia é porque eu a percebo agora através do objeto que lhe é causa, através da palavra que lhe traduz. [...] Em suma, a palavra de contornos bem definidos, a palavra brutal que reúne aquilo que há de estável, de comum e por consequência de impessoal nas impressões da humanidade apaga ou pelo menos recobre as impressões delicadas e fugidias de nossa consciência individual [...] Eis-nos portanto em presença da sombra de nós mesmos: nós cremos termos analisados nossos sentimentos, nós o substituímos em realidade por uma justaposição de estados inertes, traduzíveis em palavras e que constituem cada um o elemento comum, o resíduo impessoal das impressões sentidas em um caso dado pela sociedade inteira.” (Bergson. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência)

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