sábado, 17 de fevereiro de 2018

Navegar é preciso...

" A vida se empobrece, perde o interesse, quando a máxima aposta no jogo da vida, que é a própria vida, não pode correr riscos. [...] os nossos laços afectivos, a insuportável intensidade do nosso luto, fazem-nos abstenhamos de procurar perigos para nós e para os nossos. Quem tem de substituir a mãe, o seu filho, a mulher, o marido, os filhos, o pai, se é que aflige uma desgraça? A inclinação para não computar a morte no cálculo da vida traz por consequência muitas outras renúncias e exclusões. E, no entanto, a divisa da hansa dizia " Navigare necesse est, vivere non necesse!": navegar é necessário, viver não é.
Por isso, não pode acontecer de outra forma: é no mundo da ficção, na literatura, no teatro, onde temos que procurar o substituto do que falta à vida. Lá ainda encontramos homens que sabem morrer, e mesmo que cometem a morte de outro. E só lá se cumpre a condição em que podemos reconciliar-nos com a morte: que depois de todas as vicissitudes da vida nos reste uma vida intocável. É, aliás, muito triste que na vida tenha de acontecer o que no xadrez, onde uma jogada em falso pode obrigar-nos a dar por perdida a partida; e acima desta diferença: não podemos iniciar uma segunda partida, uma desforra. No domínio da ficção, encontramos essa infinidade de vidas de que precisamos. Morremos identificados com um herói, mas sobrevivemos e estamos prontos para morrer uma segunda vez com outro, igualmente ilesos."

Sigmund Freud (1915)
Via Mural de Rita Mendonça - Arguta seleção... Compartilhado do FB pag. do Marcel Oliveira

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