sábado, 27 de outubro de 2018

Canção das Baleias...

As baleias emitem sons que se espalham por milhares de quilômetros mar adentro. Dizem os cientistas que são os machos que cantam para cortejar as fêmeas. O ouvido humano, limitado, precisa da ajuda de aparelhos para ouvir pelo menos alguns sonidos que ressoam distantes. Não podemos saber qual beleza se esconde nas profundezas desses cantos que vagam pelos oceanos sem fim. Aliás, sabemos muito pouco de tudo e quase tudo de nada. Estamos, no bem da verdade, é perdendo a capacidade de ouvir, de sentir mesmo. Chegará o dia em que as músicas mais sublimes da humanidade, aquelas que requerem sensibilidade de espirito, simplesmente não serão ouvidas. Não só por falta de vontade, mas porque os ouvidos não conseguirão captá-las. A sonata ao luar ou a aria da quarta corda se tornarão canção de baleias. Só saberemos que existem com a ajuda de aparelhos medidores, como o que acontece com a radiação. Os filmes clássicos deixarão de ter trilha sonora e as orquestras serão apenas braços se movimentando como numa engrenagem silenciosa. As canções da alma serão para os ouvidos o que os mendigos e crianças de rua são para os olhos: admiravelmente inexistentes. E aquele que ainda conseguir ouvir, será considerado uma anomalia, um louco que ouve vozes do além. Então numa tarde silenciosa, alguém colocará uma bela canção no último volume e não incomodará o vizinho crasso que é incapaz de gostar de boa música. Este alguém dançará ao som de algo que só existe em sua alma, para que nadando nas profundezas de si mesmo finalmente possa ouvir o que diz a canção das baleias.
André Anacoreta in Folhas Soltas
Foto: Annelie Pompe - Texto e imagem compartilhados do FB, pg. Gigantes da Literatura Universal

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