domingo, 20 de janeiro de 2019

Mal Estar na Civilização

(...) Contra o sofrimento que pode advir dos relacionamentos humanos, a defesa mais imediata é o isolamento voluntário, o manter-se à distância das outras pessoas. A felicidade passível de ser conseguida através desse método é, como vemos, a felicidade da quietude. Contra o temível mundo externo, só podemos defender-nos por algum tipo de afastamento dele, se pretendermos solucionar a tarefa por nós mesmos. Há, é verdade, outro caminho, e melhor: o de tornar-se membro da comunidade humana e, com o auxílio de uma técnica orientada pela ciência, passar para o ataque à natureza e sujeitá-la à vontade humana.
Outra técnica para afastar o sofrimento reside no emprego dos deslocamentos de libido que nosso aparelho mental possibilita e através dos quais sua função ganha tanta flexibilidade. A tarefa aqui consiste em reorientar os objetivos instintivos de maneira que eludam a frustração do mundo externo. Para isso, ela conta com a assistência da sublimação dos instintos. Obtém-se o máximo quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual. Quando isso acontece, o destino pouco pode fazer contra nós. Uma satisfação desse tipo, como, por exemplo, a alegria do artista em criar, em dar corpo às suas fantasias, ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial que, sem dúvida, um dia poderemos caracterizar em termos metapsicológicos .

(...) Evidentemente estou falando da modalidade de vida que faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em amar e ser amado. Uma atitude psíquica desse tipo chega de modo bastante natural a todos nós; uma das formas através da qual o amor se manifesta – o amor sexual – nos proporcionou nossa mais intensa experiência de uma transbordante sensação de prazer, fornecendo-nos assim um modelo para nossa busca da felicidade. Há, porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos pela primeira vez? O lado fraco dessa técnica de viver é de fácil percepção, pois, do contrário, nenhum ser humano pensaria em abandonar esse caminho da felicidade por qualquer outro. É que nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor. Isso, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do amor como um meio de obter felicidade. Há muito mais a ser dito a respeito. [Ver [1]].

Freud, in o Mal Estar Na Civilização (1930[1929]), vol. XXI –(2)

Comp. do FB, pg. Marcel Oliveira

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