terça-feira, 18 de outubro de 2022

 

"Em algum canto do universo que se expande no brilho de incontáveis sistemas solares surgiu, certa vez, um astro em que animais espertos inventaram o conhecimento. Este foi o minuto mais arrogante e mais mentiroso da história do mundo, mas não passou de um minuto, após uns poucos suspiros da natureza, o astro congelou e os animais espertos tiveram que morrer. Foi bem a tempo: pois, se eles vangloriavam-se por terem conhecido muito, concluíram por fim, para sua grande decepção, que todos os seus conhecimentos eram falsos, morreram e renegaram, ao morrer, a verdade. Esse foi o modo de ser de tais animais desesperados que tinham inventado o conhecimento".
"Seria esse o destino do homem, se ele fosse um animal que busca conhecer; a verdade o levaria ao desespero e ao aniquilamento, a verdade de estar eternamente condenado a inverdade. Ao homem, entretanto, convém a crença na verdade alcançável. Será que ele não vive propriamente por meio de um engano constante? Será que a natureza não lhe faz segredo de quase tudo, mesmo do que está mais próximo, por exemplo, de seu próprio corpo, do qual só possui uma "consciência" fantasmagórica? Ele está aprisionado nessa consciência e a natureza jogou fora a chave. Curiosidade fatídica dos filósofos, que possibilitou olhar para fora e para baixo, por uma fresta na cela da consciência: talvez o homem pressinta, então, que se apóia no ínfimo, no insaciável, no repugnante, no cruel, no mórbido, na indiferença de sua ignorância, agarrado a sonhos, como sobre o dorso de um tigre".
 
De: "Cinco prefácios para cinco livros não escritos" de Friedrich Wilhelm Nietzsche

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