domingo, 12 de novembro de 2023

A circunstância dá Vida. 

Gildo Fonseca


A Vida, ávida de Si, habita em circunstâncias, cristaliza-se em situações, em relações, em experiências. Tem mil faces, em cada momento, ao gosto de cada observador. Mascara-se em   imponderáveis devires, a dançar, desafiadoramente, com suas burcas, frente qualquer análise ou tentativa de pueris e pretensos entendimentos.

O partejar perpétuo do novo, multifacetado à olhares sob demanda, caminha, enquadra, estica, aperta, expande, delimita. O Tudo está à mesa, permeado pelos entornos de nossas próprias limitações, frente ao imponderável, ao impossível. Apartes à parte, a parte não é o Todo. Apenas o todo daquela parte. O desjejum é circunscrito ao sabor de cada sensação, ao realizar de tantos desejos, tão transitórios, travestidos de necessidades que, uma vez satisfeitas, relaxam, justificam e anestesiam, até o próximo palpitar desejante, o fluir da própria consciência. O Fluir dá Vida. A Vida dá o Fluir.

Se nunca nos banhamos no mesmo rio como dizia Heráclito, também nunca nos banhamos na mesma percepção, ela nasce e morre ante o instante seguinte onde já mudaram o instante, os olhares, as sensações, nossa evolução, o nível da frequência vibratória do nosso entendimento, do nosso sabor e apetites diante da mesa da vida. O imponderável Devir não é massa cinzenta ou barro a ser esculpido. Tem também Vida própria. Ante nosso esculpimento, com nossa criatividade, esses castelos de areia, demonstram que o desconhecido é infinito ante nossa finita pretensão de definí-Lo. No vazio do Vaso, que se molda em cada contraste, é que a Vida se espelha para Existir. Um Narciso multifacetado servido em limitadas bandejas de acordo com a fome de cada um dos atores alternando-se em coadjuvantes e protagonistas em cada um de nossos entendimentos.

A Vida tem vida própria, flerta conosco, insinuando desejos tal qual uma odalisca a despertar sonhos, lançando cantos de sereia a cada novo instante, nos barcos carontescos de cada situação, onde pagamos o centil da travessia onde flutuamos. Da vida para a morte. Das morte para a vida.

Conscientes de nossa tragédia, só nos resta transformarmos esse alimento em oxigênio, em empuxo para nossa resiliência. O absurdo da falta de sentido só faz sentido em quem é sentido.

Lispector dizia, sobre a esfinge: “vamos ver quem decifra e quem devora quem”. Diante do enigma da esfinge somos ambulantes e transitórias respostas, encorpadas, cristalizadas, em cada necessidade existencial, mesmo que passageira, persistente, envolvente e cativante, pelas cores dos sentimentos usados nas paletas de cada um de nossos passageiros olhares.

Talvez forasteiros, talvez arteiros do berço onde balança nossa imaginação mas, com certeza, somos também artífices dos ópios onde fluem e se mesclam os vapores de nossa própria inconsciência que podem tomar formas de acordo com a presunção de nossa consciência.

Gildo Fonseca.

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