sexta-feira, 12 de julho de 2013

As angústias da (des) esperança


'Eu sou o limite de minhas ilusões perdidas", escreveu o filósofo francês Gaston Bachelard. E é nessa tensa relação entre angústia, desespero e esperança que transcorre a nossa existência


Por Josè Fernandes Pires Júnior*


“Deserto e vazio. Deserto e vazio. E as trevas à beira do abismo.” Eis a voz do poeta a T. S. Eliot. Há neste verso solene a sombra de um desespero presente – este que ataca não como um estresse quotidiano, mas que encurrala o homem como um animal indefeso frente ao seu poder avassalador. Não será preciso perceber isso nas doutrinas ou nos apontamentos da Filosofia e Psicologia. Basta-nos folhear as páginas do jornal diário, das revistas semanais e assistir aos programas televisivos com suas fórmulas mágicas para aplacar as angústias do ser humano.
O homem não quer mais aceitar sua condição existencial, por isso busca todos os tipos de terapia que ofereça a negação de sua condição temporal. Os métodos mais diversificados estão sendo empreendidos para retardar o envelhecimento, as academias estão lotadas, o consumo desenfreado cresce tresloucadamente, pois a ditadura do “vestir- se bem” determina que as pessoas se rendam à nova coleção do momento. Ser celebridade, seja em que patamar, e ter fama são outros dois vilões que encantam o homem moderno. Isso é apenas um quadro simplório do que vem acontecendo nesses a tempos de liquidez, bem definidos por Zygmunt Bauman.

T. S. Eliot 
o poeta e dramaturgo thomas stearns eliot, o t.s. eliot (1888-1965), embora nascido nos eua, sentia-se pertencente a uma tradição cultural europeia. vencedor do Prêmio nobel de literatura em 1948, t.s. eliot escreveu livros como Poemas e A terra devastada.
JOHN MILTON: ESPERANÇA NA ESCURIDÃO

Sem dúvida, esses encantos conseguem seduzir até mesmo os grandes homens. O poeta John Milton contava com 23 anos de idade quando, tomado de indignação, lamenta-se e angustia-se por não ter alcançado o seu ideal de grandeza e notoriedade, veja isso nestes versos que escreveu quando tinha essa idade: 

“O tempo, que é ladrão defraudador, Levou voando meus vinte e três anos. Vão-se meus dias em ritmos insanos, E a primavera acaba e não há flor”

Devo acrescentar – para que o amigo leitor não pense que o poeta inglês foi durante todo o curso de sua existência um presunçoso arrogante – um detalhe digno de nota: Milton sagrou-se, pari passu com a John Donne, o maior poeta que a Inglaterra já viu. Seu poema Paraíso Perdido foi ditado, quando já estava totalmente cego. Sobre seu estado, escreveu certa vez:

Quando penso que a luz está apagada Neste meu mundo vasto e tenebroso, E meu talento, único e precioso, Jaz inútil, mas a alma está inclinada A servir seu Criador sem deixar nada (...)

No meio dos anseios e da vontade do querer- -ser, há as angústias da não realização de nossos projetos. E quando eles falham nasce o desespero. A falta de esperança. Quando percebemos que não há como evitar o envelhecimento, que o consumo não pode efetivamente nos trazer a satisfação essencial de que necessitamos, que a fama pode ser provisória... o homem contempla as trevas à beira do abismo. A angústia toma conta de seu ser frágil e o remete ao desespero. Desespera-se o homem moderno quando percebe que é um nada e, por isso, não pode ser imortal.

Tempos de liquidez 
o termo “tempos de liquidez” refere-se à noção de “modernidade líquida” ou “tempos líquidos”, metáfora utilizada pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt bauman nos livros Modernidade líquida, Amor Líquido, Vida Líquida, Medo Líquido etc.
KIERKEGAARD: O SALTO DE FÉ

É a Sören Kierkegaard que vai dissecar o indivíduo tomado por predileções a que a vida moderna o apresenta. Mas, uma advertência! Se você é um otimista incondicional, uma Poliana convicta, então é melhor não ler o dinamarquês. Não obstante, aqui e acolá é possível encontrar um lampejo de otimismo ou um ponto luminoso em meio à penumbra, à moda dos quadros de a Rembrandt: uma nesga de luz irradia timidamente de uma escuridão pesada. Conforme Kierkegaard, a fé seria esse foco de luz na densa escuridão. Para ele, angústia e desespero convivem juntos no âmago do ser humano; entretanto, a fé pode ser um antídoto para a cura dessa doença mortal que é o desespero, como ele mesmo define. É preciso que se diga que a fé aqui não é qualquer uma. Virginia Stem Owens diz que “ninguém que saiba de onde virá sua próxima refeição ou onde irá dormir hoje à noite deveria ter o direito de dizer que tem fé. Fé é uma palavra que deveríamos ter medo de pronunciar, para evitar que ela nos seja definida de maneira que não imaginamos. Kierkegaard iria mais longe. Você não deveria falar de fé, diria ele, a menos que estivesse preparado para erguer, como Abraão, a faca sobre o corpo do seu filho.” O paradoxo, aqui, é que em meio a toda falta de esperança, a fé pode nascer no indivíduo e fazer com que ele se jogue nos braços Daquele que pode ser o sentido de tudo. Kierkegaard denomina isso de salto de fé.

Tempos de liquidez 
o termo “tempos de liquidez” refere-se à noção de “modernidade líquida” ou “tempos líquidos”, metáfora utilizada pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt bauman nos livros Modernidade líquida, Amor Líquido, Vida Líquida, Medo Líquido etc.
JOHN DONNE: POR QUEM OS SINOS DOBRAM?As grandes preocupações do ser humano nos dias de hoje são o desejo e a vontade de querer ter. Aliás, é Gabriel Marcel que fala sobre a vontade do ter em detrimento da do ser. Em tempos de modernidade líquida – para usar uma expressão baumaniana – o ter predomina sobre o ser. O imediatismo, o desejo de estar em evidência angustiam o ser humano, uma vez que vive na esperança de que a sorte mude seu destino e de que a fortuna bata à sua porta. Viver assim não é uma escravidão? Contrário a toda essa via negativa de aceitação da finitude, coloco como paradigma o nome do poeta John Donne. Paradigma não é uma palavra que se apresenta aqui por acaso, ela tem toda uma razão de aqui estar, pois J. Donne, ou seja, sua vida encarna toda a via positiva da aceitação de forma cabal. Esperança é uma palavra mística, que calha bem quando aplicada a J. Donne. Mas antes de falar sobre o poeta inglês, faço uma pequena digressão para contextualizar melhor: quando disseram a Mark Twain que o mundo estava chegando ao fim, ele teria respondido: – “Ótimo! Podemos viver sem ele”. John Donne poderia ter dito como Twain sobre esse mundo; no entanto, o poeta inglês conviveu com suas desgraças triunfantemente.
John Donne 
John donne (1572-1631) foi um poeta e pastor anglicano nascido em londres. além da densa obra poética, produziu ensaios críticos. a poesia de donne influenciou alguns autores do romantismo.
Sob os ares da Londres elisabetana, viveu J. Donne. W. Shakespeare, seu contemporâneo, já havia alcançado notoriedade invejável. A peste negra assolava e vitimava os londrinos, desafiando a medicina da época. Seu rastro epidêmico de morte vitimou 40 mil pessoas. Nas ruas de Londres, a peste bubônica foi pretexto para profetas desatinados anunciarem o apocalipse. Donne não escapou. Também adoecera. Os médicos diagnosticaram sua enfermidade, erradamente, como peste; no entanto, sua doença foi uma febre com erupções cutâneas similares ao tifo. Fora posto em quarentena por causa disso. Por seis semanas esteve no limiar da morte. É aí, por meio de seu suplício, que nasce Devoções (Devotions), obra que o coloca, como já dissemos, ao lado de John Milton, como o maior poeta da Inglaterra.
Meditação 17, sobre o significado dos sinos da igreja, é passagem mais famosa de Devoções e, também, uma das mais cultuadas da literatura inglesa. A inspiração dos versos desta Meditação veio quando Donne ouvia da janela de seu quarto o toque dos sinos. Era o anúncio de que um vizinho seu havia morrido de peste bubônica. Essa percepção o levou a compreender que aquilo era um duro lembrete da finitude humana. Eis um trecho da celebrada passagem:

“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. (...)

A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”

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