sábado, 12 de dezembro de 2015

Alentos nos interstícios cotidianos



















Considero a vida humana como uma noite profunda e triste, que não se suportaria, se, num ponto ou noutro, não rutilassem repentinos clarões, de uma luminosidade tão consoladora e maravilhosa, que seus segundos podem apagar e justificar anos de escuridão.

A escuridão, a treva desconsolada é o ciclo da vida cotidiana. Para que nos levantamos de manhã, comemos, bebemos e voltamos a deitar-nos? A criança, o selvagem, o jovem sadio, o animal, não sofrem com esse ciclo de coisas e atividades indiferentes. Quem não padece do mal de pensar, alegra-se com levantar-se de manhã e comer e beber, acha-o de todo suficiente e não o quer de outra maneira. Mas quem perdeu a sensação da naturalidade disso tudo, procura, no transcurso do dia, ávido e atento, os momentos de verdadeira vida, cujo subitâneo relampejar nos torna ditosos e apaga o sentimento do tempo, juntamente com todos os pensamentos sobre o sentido e finalidade do todo. (...)

Talvez seja a deslumbrante luz desses momentos, o que faz parecer tão escuro tudo o mais, talvez provenha da mágica leveza e do etéreo deleite desses momentos, que o resto da existência pareça tão pesado e peganhento e opressivo.

(...) uma coisa eu sei,: se existem bem-aventurança e um paraíso, só podem consistir na imperturbada duração desses momentos; e, se tal bem-aventurança pode alcançar-se somente mediante o sofrimento e purificação pela dor, nenhuma dor ou sofrimento é tão grande, que dele se deva fugir.
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[Hermann Hesse. In: Gertrud]
(Art. Vincent van Gogh)


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