quinta-feira, 6 de junho de 2013

Angústia existencial

Foto: A CULTURA SEMPRE CONDUZ CORPOS SEM ALMA



Filosofia - Colaboradores - (coordenado Por Virgínia Fulber)
e com a colaboração de autores convidados.

O problema filosófico da Angústia Existencial
Mariah de Olivieri


Privar o homem da angústia para melhor dominá-lo, é despojá-lo de sua verdade, arrancar sua coragem, inocência e alegria – também seu desgosto – de viver. É querer reduzir à animalidade, é pecar contra seu espírito. 
Henri Pradal


O problema da angústia existencial foi ao logo dos séculos, profundamente examinado por alguns filósofos, que se depararam com esse sentimento em suas existências. Não foi por puro acaso que, ao interessarem-se pelo tema da existência, do destino e suas de conseqüências, o tema da angústia tornou-se o tema de suas vidas.
Neste artigo discorreremos sobre o significado da angústia para Kierkegaard, Heidegger e Karl Jaspers. Estamos cientes de que outros filósofos e estudiosos do pensamento e emoções humanas discorreram sobre o tema da angústia; porém, nos ativemos aqui, a debruçar nosso olhar somente sobre pensadores com os quais nos identificamos, por suas idéias sobre o tema.
A angústia existencial é um sentimento difuso e desconcertante que sufoca a existência e impregna a vida do indivíduo de tristeza e dor; é uma zona limítrofe, um pântano de sombras aterrorizantes, um emaranhado de sentimentos incongruentes, um abismo profundo, que o indivíduo carrega dentro de si.
Inúmeras vezes, em seu cotidiano, o indivíduo sente a falta de algo incompreensível; o resultado é tédio e vazio existencial, ao qual ele é remetido sem aviso prévio. As aquisições materiais, e as vitórias amorosas não preenchem o âmago do seu ser.
O sujeito está em uma constante busca. O ser humano é um mar de infinitas possibilidades, que muitas vezes foram castradas, amordaçadas. Assim, por causa desse afeto ele se torna uma criatura profundamente marcada, mutilada em sua alma, cuja dor perpassa sua compreensão.
Sensação de devastação interna, sentimento de impotência. Para entender a angústia, esse sentimento tão subjetivo, é necessário primeiro compreendê-lo; aceitar essa impressão que torna o indivíduo absolutamente débil, frágil, desorientado.
O indivíduo compõe o mundo através das circunstâncias vividas, das experiências e sentimentos suscitados pelas mesmas; ele é para essa composição uma complementação e, quando se sente fora de tudo isso, abandonado nesse vazio profundo, surge a angústia.
Diante do vazio e do desconhecido, o indivíduo se assusta, pois em seu cotidiano ele lida sempre com situações concretas sejam atividades ou de trabalho, ele está sempre envolvido com outros indivíduos, e estar só é considerado deprimente.
Para a filosofia, a angústia existencial projeta-se por uma ambigüidade conceitual; se por um lado, ela assusta, por outro, permite ao indivíduo encontrar-se com algo maior, que o lança para a condição de sua irremediável finitude e limitações diante de sua existência. Paradoxalmente, a angústia aponta a possibilidade de ser e de existir no enfrentamento da vida, como uma força que emana desde dentro.
Ao refletirmos sobre o significado filosófico da angústia, encontramos o pensamento de Kierkegaard[1]; em seu livro O Conceito de Angústia (1844), atribui que a raiz da angústia é a existência como possibilidade. Esta asserção aponta tratar-se de uma disposição afetiva; algo que impulsiona o sujeito nos seus próprios movimentos.
Heidegger[2], em Ser e o Tempo (1989), anuncia que é a angústia que possibilita ao indivíduo o encaminhamento à um encontro com o Ser, num direcionar ao nada, que permite a abertura de caminhos para o indivíduo encontrar-se com algo não descrito, rumo ao seu destino. Cito Heidegger:
É na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desentranha para a pré-sença de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte e a  angústia da com o poder-ser mais próprio, e remissível e insuperável.
Heidegger discorre sobre o fato da angústia libertar o homem das possibilidades nulas e torná-lo livre para as autênticas.  É pelo fato de ser livre que o Ser-aí pode fugir das responsabilidades para permanecer no nível de uma existência exteriorizada, mas essa fuga está sempre perseguida pela angústia.
 A angústia contém aspectos tanto destrutivos como construtivos, dependendo de como é utilizada. O Ser-aí é lançado na existência, na facticidade. A angústia constitui-se como estrutura fundamental do Ser-aí tal como se encontra primeiramente e antes de tudo, em seu mundo no cotidiano.
A angústia pode surgir nas situações mais inofensivas e não precisa do escuro para se manifestar. O angustiar-se com alguma coisa não possui nem o caráter de espera nem de entendimento, assim a insignificância do mundo é aberta na angústia.
A angústia angustia-se pela presença nua e crua, lançada na estranheza e surge do porvir da de-cisão.  É nela que o sentido do Ser-aí (sua essência) se anuncia.
 Heidegger relaciona a angústia com o temor. Aquilo que a angústia se angustia é o ser-no-mundo como tal. Porém, na angústia não se dá o encontro disso ou daquilo com o qual se pudesse estabelecer uma conjuntura ameaçadora. O ameaçador não vem de um lugar determinado, ele não se encontra em lugar algum.
O indivíduo não sabe o que é aquilo com que se angustia. Aquilo com que a angústia se angustia é o nada, que não se revela em parte alguma. A angústia de acordo com Heidegger se angustia com o mundo como tal, com o próprio ser-no-mundo.
Heidegger afirma que se angustiar abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo. A angústia não é somente angústia com, mas enquanto disposição, é também angústia por.  Na pré-sença, a angústia revela o ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo.
Assim é que, a angústia enquanto disposição fundamental empreende uma abertura para o desconhecido, ela se eleva a partir do ser-no-mundo enquanto ser-lançado-para-a-morte; é ela que libera o indivíduo de possibilidades nulas, tornando-o livre para as possibilidades próprias. Quando a angústia passa, diz-se costumeiramente: propriamente não foi nada.
Neste construto existencial, Olga Hack, em seu artigo sobre a angústia, cita Jean Barraud, em O homem e sua Angústia, e aponta que: quando esta surge de frente e derruba pontes que unem as margens, provoca um despertar e torna a lucidez mais incisiva.
Porém, a angústia se faz e se mostra a sua maneira e nem sempre o indivíduo tem uma leitura precisa para ela. Quando o indivíduo se dá conta, neste desvelar, e permite tal abertura, ele entra pelo caminho que Aristóteles dizia ser o do espanto; essa é a condição de contemplação do indivíduo, sob sua própria condição de existência enquanto possibilidade. Essa construção e condição de contemplação vêm integrar um olhar original para a angústia, que permite descortinar através desse processo, novas e infinitas possibilidades.
Karl Jaspers[3], em Filosofia da Existência (1974) anuncia que angústia, liberdade e transcendência estão interligadas; a verdadeira liberdade nasce da relação com a transcendência e o processo existencial é uma meditação racional nos confins da condição humana.
Desse modo, não existe comunicação existencial sem razão e liberdade. Jaspers esclarece: a existência é suscitar a liberdade e a existência não é possível, senão em face da transcendência e a transcendência não tem sentido, senão pela existência.
 Sem vínculos com a transcendência, não existe liberdade. A existência do indivíduo está situada de forma singular, e presa irremediavelmente a uma série de situações que escapam de seu controle. Jaspers chama estas situações de momentos nos quais o indivíduo não tem poder de escolha, cito Jaspers:
A existência só desperta quando o existente é sacudido pela idéia da morte. A existência ou se perde no desespero face ao nada ou se revela a si mesma na certeza da eternidade.
A existência procura a experiência das situações-limite, esforçando-se por aprofunda-la até lhe encontrar um sentido que a reintegre em sua autenticidade. A experiência da morte é para Jaspers uma situação limite, pois segundo ele:
Estamos todos destinados à morte, ignorando o momento em que ela virá, procedemos como se nunca devesse chegar. Em verdade, vivendo, não acreditados realmente na morte, embora ela se constitua a maior de todas as certezas.
Diante da morte, a existência autêntica descobre a angústia de uma forma radical, que é a angústia de perder-se enquanto existência. São nas situações-limite que a existência se torna possível.
É somente no desespero de uma situação-limite que o ser encontra a sua certeza, uma vez que: daí ocorre à idéia de que estar morto é não-ser, de que a morte é o nada.
E é tendo a consciência bem clara daquilo que ela não pode mudar, e opondo-se à resistência das situações-limite e graças a elas, (reconhecidas como condições primordiais), que a liberdade pode se concretizar.
É somente no desespero gerado por uma situação-limite que brota, portanto, toda a obscuridade e negatividade desesperadora da condição humana. É através das situações-limite que o indivíduo sofre o aniquilamento, caminho que o conduz à existência.
Jaspers era apaixonado pelo mistério da condição humana e convencido de que existiria um para além do conhecimento que é possível ao indivíduo atingir; ele apelava para o tesouro que todo indivíduo possuía em si, ou seja, a capacidade de se elevar acima de seu ser.
Para Jaspers, viver era escolher. A obrigação de efetuar uma escolha responde efetivamente ao imperativo categórico de Kant, como ele o formulou nos Fundamentos da Metafísica dos Costumes; a exigência de que o indivíduo deve agir segundo a máxima: “tu deves, logo podes” (1785 Paris).
O objeto da escolha depende, segundo Jaspers, somente de cada um; se o indivíduo deve escolher para existir, uma incerteza sempre o impedirá de saber (de certa maneira), o que ele será realmente, ou se conseguirá efetivar e realizar sua escolha. A existência, objeto de um dever de escolher, é realmente o objeto de uma aposta. No seu entender, o indivíduo, ao se fazer a si mesmo, acaba sendo determinado unicamente por suas escolhas.
A existência parece então, aos seus olhos, como uma vontade de existência sem limites; ela é um combate perpétuo, entre o dever e a incerteza, fora de todo o conhecimento. Esta experiência é sentida por Jaspers como uma experiência de dilaceramento, de angústia. Contudo, só através das situações limites, brotam toda a obscuridade e negatividade desesperadora da condição humana.
 É através dessas situações que o indivíduo sofre o aniquilamento, mas esse aniquilamento é também o caminho que o conduz à existência. Pois sem a ameaça do desespero possível, não há liberdade.
Desde modo, as aspirações a uma liberdade total da vida e das suas condições, não são mais que evasões diante das condições reais da existência possível, que são aquelas que permitem fazer verdadeiras escolhas e assumir verdadeiras responsabilidades.
Ao pretender uma liberdade total para a condição humana, o indivíduo, com seus excessos, escamoteia os verdadeiros possíveis de uma liberdade que as situações-limite restringem e estruturam. De acordo com Jaspers o indivíduo não encontra o absoluto senão através das situações-limite.

[1] O conceito de angústia. 1844. Tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls, a partir do original de SKS 4, (manuscrito), em andamento, 2008.
[2] Ser e o Tempo. Parte II. 1989. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Coleção Pensamento Humano. Petrópolis: Vozes, 340p.
[3]  Filosofia da Existência. 1974. Buenos Aires: Aguilar, 1ª ed. 128 p.
Mariah de Olivieri - É Bacharel em Comunicação Social, Mestre em Filosofia e  Terapeuta-Especialista em Essências Florais. Mantém uma coluna mensal no Jornal Varanda Cultural – Porto Alegre. Participa do Núcleo de Estudo, Pesquisa e extensão em Educação Estética Onírica – NUPEEO na FURG, em Rio Grande , trabalhando a linha de pesquisa Educação estética onírica no despertar dos sonhadores.

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