segunda-feira, 23 de março de 2020


Jorge Luis Borges escreveu certa vez o seguinte: “penso que em toda biblioteca há espíritos. E são os espíritos dos mortos, que só despertam quando o leitor os busca.” Nesse momento de reclusão forçada um espírito que constantemente desperta e vem me visitar é Dostoiévski.

Recordo aqui uma passagem maravilhosa daquele que é considerado o seu maior clássico: “Os Irmãos Karamázov”. Trata-se da nar
rativa da vida do hieromonge Stárietz Zossima, redigida a partir das suas próprias palavras por Alieksiêi Fiódorovitch Karamázov (Ed. 34, p. 426/427):

“Ai, não credes nessa união dos homens. Compreendendo a liberdade como a multiplicação e o rápido saciamento das necessidades, deformam sua natureza porque geram dentro de si muitos desejos absurdos e tolos, os hábitos e as invenções mais disparatadas. Vivem apenas para invejar uns aos outros, para a luxúria, a soberba. Dar jantares, viajar, possuir carruagens, posição social e criados escravos eles já consideram uma necessidade, e para saciá-la sacrificam até a vida, a honra, o amor ao homem, e até se matam se não conseguem saciá-la.

(...)

E não é de se admirar que em vez da liberdade tenham afundado na escravidão, e em vez de servir ao amor fraterno e à união dos homens afundarem, ao contrário, na desunião e no isolamento, como me disse em minha mocidade o meu visitante misterioso e mestre. É por isso que no mundo vem-se extinguindo cada vez mais a ideia de servir à humanidade, a ideia da fraternidade e da integridade dos homens, pois, em verdade, essa ideia já está sendo recebida até com zombaria; porque, como esse escravo se afastaria de seus hábitos, para onde iria se está tão acostumado a saciar as infinitas necessidades que ele mesmo inventou? Ele está isolado e pouco se importa com o todo. Eles chegaram a um ponto em que acumularam objetos demais, porém ficaram com alegria de menos.”

Machado de Assis estava certo quando disse: “leio por instruir-me; às vezes por consolar-me. Creio nos livros e adoro-os.” Nesse momento, leio para consolar-me. Também para buscar esperança, de que tudo vai passar, e que depois dessa tempestade nos tornaremos mais humanos.

Na imagem: uma gravura de passagem clássica do livro (“O grande inquisitor)
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