sábado, 7 de janeiro de 2023

Adorável pérola de Giancarlo Galdino...

O texto abaixo é de Giancarlo Galdino, da Revista Bula, fazendo uma análise do filme "O pálido olho azul". Achei tão maravilhosa sua narrativa que resolvi compartilhar aqui:


Chegamos ao mundo sós, estamos sós do berço ao túmulo, e os mais espertos compreendemos logo que é necessário nos empenharmos muito para fazer com que os momentos em que passamos na companhia de outras pessoas tornem-se dignos das melhores lembranças. O aspecto eminentemente paradoxal dessa evidência é que são recorrentes as situações nas quais não se percebe interesse algum de parte a parte, e a despeito da vontade atávica, ancestral e instintiva da fuga e do isolamento, persistimos no comportamento quase obsessivo de adequarmo-nos ao que esperam de nós, observando certas normas tácitas de conduta, de como apresentar-se diante dos outros, esquecendo, ainda que apenas pelo tempo em que somos forçados a abdicar de nossas solidões, dos traumas, neuroses e, claro, das deleitosas manias que fazem nosso cotidiano um pouquinho menos enfaroso. Nem tudo é só desespero, entretanto; é difícil, mas sempre pode se dar o prodígio milagroso de se deparar com alguém que assim, por acaso ou por destino, encontra na vida o mesmo prazer que nós, precisamente por se saber feito de outro barro.

A solidão é muito mais que tão somente a vontade de estar só; há passagens na vida de cada homem, célebre ou irritantemente comum, em que é de fato necessário retirar-se do mundo, ainda que metaforicamente, mesmo que pelo espaço de um instante, para realizar feitos verdadeiramente invulgares. É preciso esquecer muito para se lembrar do pouco que importa; é forçoso mergulharmos no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir. Processo que não raro se mostra doído, abandonar a ribalta, reconhecer-se pequeno, insignificante, hediondo, frágil como qualquer outra pessoa, é um exercício de autopreservação, como se, em extirpando um órgão que já não desempenha as funções para que fora criado, conseguíssemos finalmente reoxigenar o sangue e permitir que assim a vida brote outra vez.

“O Pálido Olho Azul” sobrepuja o básico da narrativa de suspense. Socorrendo-se de elementos técnicos, Scott Cooper tem o condão de ressuscitar o interesse por um dos mais ousados escritores de todos os tempos, ao passo que escapa ao óbvio escolhendo fixar-se nos detalhes que seduzem sua audiência, seja pelo olhar, seja pelo que é dito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário