sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

“QUAL SERÁ A VIAGEM QUE DEVO A MIM MESMO?”
 
Começo essa reflexão com esta pergunta do psicanalista italiano, um tanto polêmico, Contardo Calligaris.
 
A viagem que devo a mim mesma é a viagem do desejo.
Mas que significa desejo? É o mesmo que querer? Não, desejar não é querer. Muitas vezes nem queremos o que desejamos.
 
Desejar diz do mais íntimo de mim mesmo, nas palavras de Lacan: do meu êxtimo. O êxtimo é aquilo que me 'escapa', que está “fora” da minha compreensão, aquilo que fiz e não sei porque. Não entendo. Não aceito. Seria mais prudente, mostra a psicanálise, ao invés de indignar-se, entender que deve haver um motivo para se fazer o que não devia - ou não fazer o que devia ter sido feito.
São nessas 'rupturas' que aparecem o nosso desejo. E precisamos escutá-lo. Escutar o que não sabemos e, por vezes, nem aceitamos é o primeiro passo para se aproximar do próprio desejo. Aquilo do mais íntimo, do mais “ridículo” e mais “inútil” que vive dentro de nós. 
 
O “inútil” que vive dentro de nós não significa o desimportante. As coisas mais importantes da vida são inúteis, ao menos do ponto de vista prático. O mais importante de nós não pode ser compreendido pelos outros, e daí vem a ideia de que é inútil ou ridículo. É inútil porque não é reconhecido pelo outro.
Entretanto, quando encontramos alguém que enxerga a diferença crucial que nos faz únicos no mundo (o 'ridículo'), nós amamos essa pessoa. Se ela permitir então que cresçam sobre elas nossas fantasias e sonhos a gente “cai” de paixão. 
 
Amamos uma pessoa porque ela permite que à inutilidade do amor possa ser dado um sentido positivo, e que possamos dar corpo aquilo que antes estava guardado. E não há nada mais “inútil” do que o amor. Não é útil os carinhos trocados pelos amantes, não é útil a amizade, não há utilidade nos verdadeiros sentimentos. Os sentimentos são todos “inúteis”, simplesmente porque ULTRAPASSAM a dimensão da utilidade. E é por isso que nos tornam felizes.
 
Vamos experimentar olhar para o que esquecemos, seguir algo da intuição que não entendemos e viver aquilo que gostamos...e talvez, com muita sorte a gente consiga, nessa travessia, viver um pouco mais perto do nosso desejo.
Qual será a viagem que devo a mim mesma?
 
Não sei sobre o passado, mas no futuro quero pagar o preço da dívida que tenho com o meu desejo. Toda viagem tem uma dívida a pagar, por isso é que existem os bilhetes de passagem!
Contudo, um aviso para todos nós viajantes: o preço mais alto a pagar é suportar a angústia de não atender às expectativas dos outros. Que tarefa!
 
Carla Mores Gastaldin

Comp. do FB, pg. Psicanálise do Indizível

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