terça-feira, 21 de maio de 2019

Heidegger, sempre maravilhoso. Uma análise profunda sobre o emergir da criação e sua cristalização perante nossa percepção. Uma dança de contrastes entre Consciência e o que a consubstancia. Gildo Fonseca.



Aí de pé, a obra arquitetônica repousa sobre o solo rochoso. Este assentar da obra extrai da rocha a obscuridade do seu suportar rude e, no entanto, a nada impelido. Aí de pé, a obra arquitetônica resiste à tempestade furiosa que sobre ela se abate, e, desta forma, revela pela primeira vez a tempestade em toda a sua violência. Só o brilho e o fulgor da rocha, que aparecem eles mesmos apenas graças ao Sol, fazem, no entanto, aparecer brilhando a claridade do dia, a amplitude do céu, a escuridão da noite. O erguer-se seguro torna visível o espaço invisível do ar. O carácter imperturbado da obra destaca-se ante a ondulação da maré e deixa aparecer, a partir do seu repouso, o furor dela. A árvore e a erva, a águia e o touro, a serpente e o grilo conseguem, pela primeira vez, alcançar a sua figura mais nítida e, assim, vêm à luz como aquilo que são. Desde cedo, os gregos chamaram a este mesmo surgir e irromper, no seu todo, a Φύσις [phýsis].

— Martin Heidegger. "Origem da Obra de Arte", p. 39. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. Escultura: Fonte Netuno, por Bartolomeo Ammannati, em Piazza Della Signoria, Florença, Itália

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