sábado, 3 de abril de 2021

NO LIMBO DOS INTERSTÍCIOS

Entre uma coisa e outra que nos acontece, que nos envolve, quem somos nós?

A intensidade dos apelos das fantasmagorias materiais, emocionais e espirituais não respondem, não saciam pois todas não tem essência própria, são múltiplos polos de um plano onde vagamos em pendulares extremidades. É no espaço vazio entre esses extremos que a vida deveria acontecer. Mas será que acontece? O que acontece são os espasmos reflexivos desses contrastes, vitrais compostos de percepções lastreadas em coisas ou estados já preexistentes, aculturados pela nossa consciência, que dão "base" e  sustentação para os voos de nossas quimeras. Vive-se daquilo que já é, que já existe e que muda apenas em formatação, formulação, interpretação e manifestação, seja de qual polo venha, seja da agregação do que é conhecido ou de todo incriado desconhecido com seu banquete de possibilidades.

No labirinto obscuro do incriado tateamos com mãos aculturadas por passados de pretensos entendimentos.

A relatividade é absoluta. Qualquer tela a ser pintada, qualquer cenário a ser desenhado compõe-se de elementos (tijolos) de tudo o que já é. Todo novo, toda pretensa criação, é só rearranjo de partes que são, a cada percepção, remanejadas em novas formas e expressões mas tudo composto pela mesmice do barro a criar e desmanchar, sucessivamente, novas expressões.

Toda consciência da finitude é massacrante.

Todo barro é semente de escultura inconscientemente aculturada.

Aceitar o que se nos apresenta é enredar-se, enquadrar-se, aprisionar-se a entendimentos, percepções, necessidades, afetivas, materiais ou espirituais. Entre tudo o que existe e tudo o que não existe, "vivemos", seja lá o que isso possa significar. Somos escravos dos dois. Me recuso, me insubordino frente ao enquadramento em que minha alma foi atrelada. Qualquer dos dois caminhos é apenas trânsito, impermanência, volatilidade, específica para um determinado momento, para uma determinada percepção, interpretação ou sensação.

Sim, interagimos com tudo e com todos, isso é inexorável. Bebemos e comemos de realidades, pretensamente sanas ou insanas, de acordo com os moldes e procustos de cada um, mas tudo já nos foi dado. É como um parque onde todos os brinquedos já foram experimentados, não satisfazem mais, não tem razão de ser.

É preciso saber o porquê do “parque”. Qual a razão da sua existência.

O que angustia é que a finitude escancarada do nosso entendimento não comporta a infinitude, a totalidade do absoluto, da transcendência, pois por mais que se tente alcançar a resposta do Absoluto, do Desconhecido, ele sempre estará um passo à frente. O rio não comporta o Mar.

O que me mata é viver no limbo dos interstícios, entre as bordas, nos tormentos  dos momentos e seus movimentos, entre os contrastes que dão o aparente tom e dom das coisas. Se estivermos em alguma coisa, coisa alguma seremos, mesmo que essa "coisa" seja a tentativa do próprio entendimento.

Como dizia nossa amada Clarice, “viver não dói, saber que se vive é que dói”.

Gildo Fonseca 

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